Aula 04 - Saúde da População AfroBrasileira - Texto



Manual de Doenças
Mais Importantes,
por Razões Étnicas,
na População Brasileira
Afro-Descendente

Material disponibilizado 
pela Profª Denise Mota




  • Introdução 
  • Anemia Falciforme e Doenças Falciformes .
  • Deficiência de Glicose-6-Fosfato Desidrogenase
  • Hipertensão Arterial
  • Diabetes Mellitus 
  • Síndromes Hipertensivas na Gravidez.



Introdução

Edgar Merchán Hamann e Pedro Luiz Tauil

Departamento de Saúde Coletiva
Universidade de Brasília

O relatório final da mesa redonda sobre "A Saúde da População Negra", realizada em 1996,
sob o patrocínio do Ministério da Saúde (1), refere que a população negra brasileira apresenta
uma especificidade genética que a distingue da "de qualquer outra parte do mundo". Isto se deve
à miscigenação, no país, de negros procedentes de diferentes regiões da África, em distintas
épocas, com características culturais e genéticas próprias. Os bantos correspondem a cerca de
50% a 60% e são originários de regiões situadas ao sul do continente. Os procedentes da baía de
Benin representam aproximadamente 40%. Percentagem pouco expressiva corresponde aos que
são oriundos da região da Senegâmbia. Esta mistura genética e cultural resultou em uma
população diferente da população negra de outros países da América e, inclusive, da própria
África.

Se não bastassem essas considerações sobre a miscigenação dos negros de diferentes
grupos étnicos africanos, houve ainda, no Brasil, uma intensa miscigenação com a população
branca, de origem portuguesa, e, em menor escala, com a população indígena nativa.
A atual freqüência, distribuição e causalidade das doenças mais incidentes na população
brasileira afro-descendente é influenciada por estas características de ordem genética e ainda
fortemente por fatores socioeconômicos que incluem o regime de escravatura vivido até o final do
século XIX e a posterior situação de exclusão social, presente até nossos dias, de grande parcela
dessa população.

Segundo Alves e Barbosa (2), concentra-se no Brasil "a maior população negra (englobando
pretos e pardos) fora da África e a segunda do mundo, superada apenas pela da Nigéria." Mais de
40% da população brasileira corresponde a afro-descendentes. Em geral, esta fração da
população, do ponto de vista econômico e social, é mais pobre e menos instruída que o restante
da população brasileira. Entre os afro-descendentes, apenas 2% recebem mais de dez salários
mínimos mensais (2). Grande parte vive na periferia de centros urbanos, com moradias
inadequadas, baixa cobertura de saneamento básico, proporção elevada de analfabetismo, pouca
qualificação profissional e pouca perspectiva de ascensão social. É uma população marginalizada,
discriminada socialmente e mais vulnerável à violência e a doenças.
É possível, portanto, que, do ponto de vista das doenças com forte determinação genética, a
população brasileira afro-descendente possa manifestá-las com características próprias, não
sendo correta a simples transposição dos resultados das pesquisas sobre essas doenças
realizadas em outros países.

Em função deste quadro, doenças ligadas à pobreza, como desnutrição, verminoses,gastroenterites, tuberculose e outras infecções, alcoolismo, etc. são mais incidentes na população
negra, e não por razões étnicas. O acesso a serviços de saúde é mais difícil e o uso de meios
diagnósticos e terapêuticos é mais precário, produzindo, em geral, evolução e prognóstico piores
para as doenças que afetam negros no Brasil.

Existe, portanto, a necessidade de se aferir objetivamente as condições de saúde da
população afro-brasileira e, neste sentido, os estudos que devem proporcionar evidência causal
são escassos ou inapropriados. Os estudos epidemiológicos existentes ainda se limitam, em
grande parte, a séries de casos clínicos descritas no âmbito hospitalar, não conseguindo conferir
poder de generalização. Contudo, eles apontam para fatores de risco e condições específicas que
devem ser melhor investigadas. Conforme ficou evidente na revisão bibliográfica realizada por
Urdaneta e Laguardia (1999) durante o processo de produção deste manual, há poucos dados
sólidos sobre a causalidade dos agravos que aparentemente afetam de maneira preferencial a
população brasileira de origem africana.

A ausência de registro e/ou a insuficiência de quaisquer critérios de classificação sobre
"raça" ou etnia permeiam a relativa falta de conhecimentos sobre tais aspectos no nível da
população. A importância política do saber sobre as condições de saúde desse importante
segmento da população está condicionada à existência de informações e à forma como as
mesmas são registradas e/ou coletadas. Segundo o documento elaborado pelo Grupo de
Trabalho Interministerial para a Valorização da População Negra, denominado "A Saúde da
População Negra – realizações e perspectivas" (2), a partir de 1998 este aspecto foi parcialmente
sanado pela inclusão, nos formulários oficiais – nacionalmente padronizados – de Declaração de
Nascidos Vivos e de Declaração de Óbitos, do quesito raça / cor (amarela, branca, indígena,
parda e preta). As informações sobre mortalidade poderão contribuir para melhorar o
conhecimento do problema e a definição de políticas de prevenção de mortalidade em função da
etnia.

O presente manual pretende assinalar a especial importância que determinadas doenças
podem ter na população afro-descendente. Cabe ao profissional engajado na assistência à saúde
cumprir sua parte no diagnóstico oportuno e correto da situação, na condução dos casos, de
modo a gerar um tratamento tecnicamente adequado e socialmente humanizado. Cabe ao Estado,
à sociedade civil e a grupos organizados da mesma, agir sobre os determinantes e processos de
mediação envolvidos na ocorrência de tais agravos, prevenindo-os e promovendo a saúde integral
desse importante segmento da população brasileira.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1.Ministério da Saúde do Brasil. Mesa Redonda sobre a Saúde da População Negra. Relatório
Final. Brasília (DF): O Ministério; 1996.
2 . Alves AL & Barbosa RB. A saúde da população negra, realizações e perspectivas. Brasília
(DF): Ministério da Saúde/ Ministério da Justiça. Grupo de Trabalho Interministerial para
Valorização da População Negra; 1998.




ANEMIA FALCIFORME
E DOENÇAS FALCIFORMES

MARCO A. ZAGO
Professor Titular de Clínica Médica
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto
Universidade de São Paulo


I. Características Gerais

A anemia falciforme e a doença hereditária mais comum do Brasil. Sua causa é uma
mutação do gene da globina beta da hemoglobina, originando uma hemoglobina anormal,
denominada hemoglobina S (HbS), que substitui a hemoglobina A (HbA) nos indivíduos afetados.

A. Genética e patologia celular

Cada molécula de hemoglobina normal do adulto (HbA) é formada por dois pares de cadeias
de globina alfa (a) e dois pares de cadeias de globina beta (b), sendo que a estrutura das cadeias
alfa e das cadeias beta é determinada por genes independentes. A mutação na anemia falciforme
afeta o gene da globina beta. Sob determinadas condições, especialmente a desoxigenação, as
moléculas desta hemoglobina (denominada HbS) podem sofrer polimerização, o que provoca uma
deformidade e enrijecimento dos glóbulos vermelhos, afetando sua passagem pelos pequenos
vasos e capilares. Como conseqüência, ocorrem fenômenos de oclusão de pequenos vasos,
causando enfartes com lesões de órgãos diversos e episódios de dor. As hemácias deformadas e
enrijecidas sobrevivem menos em circulação: sua destruição precoce é a principal causa da
anemia nestas doenças.

Em geral, os pais são portadores assintomáticos de um único gene anormal (heterozigotos),
produzindo HbA e HbS (AS). Cada um deles pode transmitir um gene afetado ou um gene normal
para o filho; quando ambos transmitem o gene anormal, a criança recebe o gene da HbS em dose
dupla (homozigoto SS).

A denominação "anemia falciforme" é reservada para a forma da doença que ocorre nos
homozigotos SS. Além disso, o gene da HbS pode combinar-se com outras anormalidades
hereditárias das hemoglobinas, como hemoglobina C (HbC), hemoglobina D (HbD), betatalassemia,
entre outros, gerando combinações que também são sintomáticas, denominadas,
respectivamente, doença SC, doença SD, doença S/beta-talassemia. No conjunto, essas formas
sintomáticas do gene da HbS, em homozigose ou em combinação, são conhecidas como doenças
falciformes (última coluna do quadro 1). Apesar de particularidades que as distinguem e de graus
variados de gravidade, há considerável superposição do espectro epidemiológico e das
manifestações clínicas e hematológicas de todas essas doenças.

B. Prevalência

A doença originou-se na África, estendeu-se para a Península Arábica, sul da Itália e Índia, chegando
às Américas pela imigração forçada de cerca de 3 – 4 milhões de africanos trazidos aopaís como escravos. No Brasil, distribui-se heterogeneamente, sendo mais freqüente onde a proporção de antepassados negros da população é maior (nordeste) (1) (2). Além da África e
Américas, é hoje encontrada na Europa, em virtude da migração voluntária da África e do Caribe,
principalmente para a Inglaterra, França, Bélgica, Holanda e Alemanha, e em grandes regiões da
Ásia. No Brasil, a doença é predominante entre negros e pardos, porém também ocorre entre
brancos. No sudeste do Brasil, a prevalência média de heterozigotos (portadores) é de 2%, valor
que sobe a cerca de 6% – 10% entre negros e pardos e no nordeste do país (3) (Tabela 1). Com
base na freqüência gênica pode-se estimar grosseiramente a existência no Brasil de mais de 2
milhões de portadores do gene da HbS, mais de 8.000 afetados com a forma homozigótica (SS) e
outro tanto de afetados pelas outras formas de doenças falciformes. Estima-se o nascimento de
700 – 1000 novos casos anuais de afetados sintomáticos de doenças falciformes no país.
A origem racial e predomínio entre negros e mulatos é um aspecto de significativa
importância quando se considera a doença do ponto de vista de saúde coletiva e se pretende
estabelecer estratégias para seu controle. A reconhecida heterogeneidade dos diferentes estratos
sociais e econômicos no país, com predomínio de negros nos grupos mais pobres e menos
educados, em especial na periferia dos grandes centros urbanos, tornam estas doenças mais
comuns nestes grupos sociais. Portanto, estratégias que visem ao controle das doenças
falciformes, para serem eficientes, devem estar associadas à melhoria das condições de higiene,
saúde pública e educação dos focos de miséria.



C. Variabilidade Clínica

Uma das características dessas doenças é a sua variabilidade clínica: enquanto alguns
pacientes têm um quadro de grande gravidade e estão sujeitos a inúmeras complicações e
freqüentes hospitalizações, outros apresentam uma evolução mais benigna e, em alguns casos,
quase assintomática. Esta variabilidade clínica depende tanto de fatores hereditários como de
adquiridos (Quadro 2). Entre os fatores adquiridos mais importantes está o nível socioeconômico
e, como conseqüência, as condições de moradia e de trabalho e as qualidades de alimentação, de
prevenção de infecções e de assistência médica. Três características geneticamente
determinadas têm importância na modulação da gravidade clínica: os níveis de hemoglobina fetal
(HbF), a concomitância de alfa-talassemia e os haplótipos associados ao gene da HbS.


Entre os fatores adquiridos que contribuem para a variabilidade clínica, podemos apontar as
seguintes correlações:

1) Entre as diferentes associações genéticas que determinam as doenças falciformes,
algumas resultam em uma evolução clínica mais grave do que outras (13). Assim, a forma
homozigótica da HbS (anemia falciforme SS) tem a evolução mais grave. A associação de HbS
com b-talassemia do tipo bº (ou seja, a variante de b-talassemia que está associada à completa
supressão da síntese de cadeias b normais) resulta em um quadro clínico igualmente grave, pois
o paciente somente produz HbS. Já a associação de HbS com o gene do tipo b+-talassemia (que
reduz, mas não suprime completamente a síntese de cadeias b normais) apresenta um quadro clínico de menor gravidade, pois o paciente, além da HbS predominante, produz também
ummpouco de HbA. As associações de HbS e HbC (doença SC) e de HbS e HbD (doença SD)
têm quadros mais benignos.



2) HbF: níveis mais elevados de HbF são associados a uma evolução mais benigna. Assim,
os haplótipos Senegal e Árabe-indiano, associados a maiores elevações de HbF, são aqueles que
têm uma evolução mais benigna. Homozigotos destes haplótipos podem ter níveis de 20–25% de
HbF e um curso absolutamente assintomático. Além destes dois haplótipos, outros determinantes
hereditários podem determinar níveis de HbF mais elevados do que o habitual, contribuindo para
abrandar a evolução clínica.

3) Haplótipos: como já foi salientado, os haplótipos Senegal e Árabe-indiano estão
associados a uma elevação mais acentuada da HbF e, portanto, um curso mais benigno. Além
disso, o haplótipo Banto parece ser associado a um prognóstico um pouco pior do que o do
haplótipo Benin, embora haja controvérsia com relação a esta conclusão.

II. Manifestações Clínicas

As diferentes formas de doenças falciformes caracterizam-se por numerosas complicações
que podem afetar quase todos os órgãos e sistemas, com expressiva morbidade, redução da
capacidade de trabalho e da expectativa de vida. Além das manifestações de anemia crônica, o
quadro é dominado por episódios de dores ósteo-articulares, dores abdominais, infecções e
enfartes pulmonares, retardo do crescimento e maturação sexual, acidente vascular cerebral e
comprometimento crônico de múltiplos órgãos, sistemas ou aparelhos, como o sistema
circulatório, os rins, olhos e a pele, na forma de úlceras maleolares crônicas. De importância
singular durante os primeiros anos de vida, a destruição do baço é responsável pela
suscetibilidade aumentada a infecções bacterianas rapidamente fatais, principal causa de morte
pela doença neste período da vida. (14) (15) (16). As principais manifestações e complicações
destas doenças estão resumidas na tabela 4, e algumas das mais freqüentes são descritas com
mais detalhes a seguir.

A. Anemia

A anemia é do tipo hemolítico, com icterícia, elevação da bilirrubina (predominando a
indireta ou não-conjugada) e um aumento dos reticulócitos. Em média, os níveis de hemoglobina
variam ao redor de 6,5–7,5 g/dl e, apesar disto, os pacientes não apresentam sintomas muito
importantes de anemia (como cansaço, dispnéia, claudicação intermitente). Por este motivo,
embora sejam cronicamente anêmicos, o tratamento da anemia propriamente dita não é objeto de
preocupação maior; em especial, não há justificativa para tratamento com transfusão para a
maioria dos pacientes com anemia falciforme.
No entanto, em alguns casos, a hemoglobina sofre redução mais acentuada: o paciente
apresenta-se no primeiro exame com níveis muito baixos de hemoglobina; ou um paciente
conhecido, que mantinha níveis estáveis de hemoglobina na faixa habitual de 6,5 a 7,5 g/dl,
apresenta-se bastante sintomático e com anemia mais acentuada. Nestes casos, é necessário
procurar identificar a causa adicional (Quadro 4) que está provocando uma acentuação da
anemia.


B. Hipodesenvolvimento

A anemia crônica é responsável pelo retardo de desenvolvimento somático e sexual
destesspacientes. Há um déficit de desenvolvimento pôndero-estatural, que pode ser observado já
nos primeiros anos de vida.
Na adolescência, há vários sinais de retardo da maturação sexual. A menarca ocorre mais
tardiamente e algumas vezes é seguida de amenorréia secundária. Além disso, o aparecimento
das características sexuais secundárias é retardado, tanto em rapazes como em meninas. Apesar
disso, estes pacientes são férteis e muitos têm filhos.

C. Infecções

Os pacientes com doenças falciformes têm uma suscetibilidade aumentada a diversos tipos
de infecções, que podem assumir curso extremamente grave e fatal (17). A tabela 2 mostra que
as infecções podem estar direta ou indiretamente envolvidas como causa de morte em cerca de
62% dos óbitos de pacientes com anemia falciforme, nos primeiros 10 anos de vida (síndrome
torácica aguda, meningite, septicemia, gastroenterite, crise aplástica). Além do mais, tendo em
vista a evolução rapidamente fatal de alguns destes processos infecciosos, é possível que eles
sejam a causa de muitas mortes súbitas ou de causa não diagnosticada nos primeiros anos de
vida, em crianças nas quais ainda não foi identificada a presença de doença falciforme.



Os mecanismos subjacentes que tornam estes pacientes mais suscetíveis às infecções são
vários, e há grande confusão na literatura com relação a este tópico. Os fatores mais importantes
parecem ser:

1) asplenia: a perda da função do baço é uma causa importante de septicemia por
germes gram-positivos;
2) lesão tecidual, abrindo porta de entrada para agentes infecciosos: úlceras de pernas,
lesões por micro-infartos no trato gastrointestinal;
3) lesão tecidual, com foco de necrose, facilitando a localização da infecção:
pneumonia(muitas vezes, um infarto pulmonar infectado), osteomielite;
4) alterações imunológicas e da fagocitose variadas, dependentes de perda do baço,
redistribuição de leucócitos, alterações da ativação e depuração de componentes do
complemento, com deficiência da opsonização e sobrecarga de ferro, entre outros.
Além de uma maior freqüência de infecções resultantes da suscetibilidade aumentada
provocada pelos fatores acima indicados, estes pacientes podem ser afetados por infecções
variadas, que agravam o curso da doença ou provocam complicações, dependentes de condições
precárias de habitação e cuidados de higiene, como as gastroenterites, ou do próprio curso da
doenças e seus tratamentos, como as hepatites adquiridas por transfusão. As principais infecções
que comprometem os pacientes com doenças falciformes são: septicemias por pneumococos e
outros agentes gram-positivos, meningites, pneumonias, osteomielites e hepatites. As mesmas
serão descritas a seguir:

1. Septicemia pneumocócica fulminante

O agente mais comum e o Pneumococcus, além do Haemophilus. O curso é rapidamente
letal, ocorrendo a morte em menos de 24 horas. Algumas vezes a progressão é mais lenta e
insidiosa. O coeficiente de letalidade é de cerca de 50%, mas o diagnóstico precoce e o
tratamento vigoroso o reduzem drasticamente. A maioria dos episódios ocorre em crianças, em
geral menores de 2 anos de idade.
Febre é o primeiro e mais importante sintoma. A febre nesta doença pode ser manifestação
secundária do episódio de crise dolorosa, provavelmente como resultado da anóxia tecidual e
liberação de interleucinas. Entretanto, em crianças, ela pode ser a única indicação de processo
infeccioso. De modo geral, aumento de temperatura, da velocidade de hemossedimentação, do
número de leucócitos e da proporção de bastonetes são sinais de infecção bacteriana grave.
Outros sinais ou sintomas são convulsões, coma, choque circulatório, coagulação
intravascular disseminada, síndrome da Waterhouse-Friederichsen (insuficiência adrenal aguda).
Embora ocorra envolvimento meníngeo, geralmente não há sinais no exame físico nem no líquido
céfalo-raquidiano.
As infecções pneumocócicas são menos freqüentes após a primeira década de vida e outros
agentes, encontrados na população normal, tornam-se comuns, sugerindo a necessidade de
avaliação bacteriológica previamente à administração de antibióticos. No entanto, também nesta
faixa etária, a febre persistente e maior que 38,5°C não deve ser encarada como resultante da
vaso-oclusão
O tratamento envolve: a) altas doses de penicilina cristalina endovenosa; b) corticosteróides
quando há sinais de choque; e c) tratamento da coagulação intravascular disseminada, quando
presente.

2. Meningite pneumocócica

A meningite bacteriana acomete 6%–8% dos pacientes com anemia falciforme e, em 70%
dos casos, é causada por Pneumococcus; 70%–80% dos casos ocorrem antes dos dois anos de
idade, muitas vezes antes que se tenha feito o diagnóstico da hemoglobinopatia subjacente. Além
disso, são, comuns os ataques recorrentes.
A letalidade está entre 18% e 38%, sendo as principais seqüelas o retardo mental, a surdez,
a cegueira, as paralisias e a hemiparesia.
O tratamento inclui penicilina cristalina endovenosa em doses adequadas para tratar
meningites (após coleta de material para cultura e antibiograma).

3. Pneumonias

A associação de febre com leucocitose e infiltrado pulmonar (muitas vezes com dor torácica
e tosse) é descrita sob a denominação de "síndrome torácica aguda". A síndrome torácica aguda pode ser causada por infarto pulmonar ou por pneumonia, ou ainda por um infarto posteriormente
infectado. A distinção entre eles é difícil ou mesmo impossível. Em crianças, a síndrome torácica é
geralmente devida à pneumonia; em adolescentes e adultos, a freqüência de infartos é maior.
Quando há infecção, os agentes etiológicos mais comuns são Pneumococcus,Haemophilus
eMycoplasma.
Como a distinção entre infarto e infecção é geralmente difícil e como, com freqüência, há
superposição de ambos, o tratamento sempre inclui o uso de antibióticos para o tratamento da
pneumonia (após coleta de hemocultura e escarro para cultura e antibiograma).

4. Osteomielites

Osteomielites são infecções muito mais comuns em pacientes com doenças falciformes do
que na população normal. Esta ocorrência aumentada deve-se a áreas de infartos ósseos ou de
medula óssea que constituem locais apropriados para se assestarem germes absorvidos pelo
tubo gastrointestinal. O agente infeccioso mais comum é a Salmonella, em 50%-75% dos casos,
enquanto na população normal (sem doença falciforme), a Salmonella é uma causa rara de
osteomielite (o agente mais comum é o Staphylococcus). Além do mais, múltiplos focos podem
ser afetados simultaneamente.

5. Hepatites

A incidência de hepatite viral em pacientes com sindromes falciformes é elevada,
principalmente de hepatite B e hepatite C. Esta maior ocorrência não é resultante de uma maior
suscetibilidade à infecção, mas sim da maior exposição do doente, principalmente devido a
transfusões sangüíneas repetidas.
O curso da hepatite viral pode ser mais prolongado e mais grave nestes pacientes, algumas
vezes com níveis extremamente elevados de bilirrubinemia.
Cerca de 16%-40% dos adultos com anemia falciforme exibem uma forma de cirrose
hepática macronudular. Acredita-se que a hepatite viral possa ser uma causa importante desta
complicação, juntamente com sobrecarga de ferro (hemossiderose)
A melhor estratégia para reduzir a incidência de hepatites neste grupo de pacientes consiste
em: a) limitar as transfusões às indicações precisas; b) fazer triagem adequada dos doadores e
testes sorológicos específicos; c) vacinar os pacientes contra hepatite B.

D. Crises dolorosas

A crise de dor representa a manifestação mais comum e característica das síndromes
falciformes (19). A dor pode comprometer membros, extremidades, região lombar, tórax ou
abdômen. Nos membros, muitas vezes dão a impressão de se localizarem nas articulações,
embora como regra geral não haja sinais inflamatórios (não é, pois, uma verdadeira artrite). No
entanto, nos primeiros anos de vida, o comprometimento das mãos e dos pés é acompanhado de
edema, resultando na manifestação característica da "síndrome mão-pé", que não é encontrada
em pacientes mais velhos (20).

As áreas envolvidas mais freqüentemente são joelho, coluna lombo-sacra, cotovelo e fêmur
e, em crianças menores de 5 anos, a síndrome mão-pé. Múltiplos sítios podem ser afetados
simultaneamente, sendo que a dor bilateral e simétrica ocorre na maioria dos casos.
A intensidade da dor é bastante variável, desde episódios moderados e transitórios (5 a 10
minutos de duração), até crises de dor generalizada que duram dias ou semanas, necessitando de
internação hospitalar. O padrão de dor varia de um paciente para outro, alguns com ataques
graves repetidos, outros negando qualquer sintomatologia dolorosa, e cerca de metade deles com
uma crise grave por ano ou múltiplas crises moderadas.

Estas crises de dor são acompanhadas de febre e muitas vezes de urina "escura", e resultam
de necrose avascular de medula óssea ou de outros tecidos (parede intestinal, baço). Entre os possíveis fatores desencadeantes, incluem-se: infecções, alterações climáticas, fatores
psicológicos, altitude, acidose, sono e apnéia, estresse e desidratação. Na maioria dos casos, no
entanto, não é possível a identificação do fator etiológico.

E. Seqüestro esplênico

Representa uma complicação resultante da rápida retenção de grande volume de hemácias
no baço aumentado de volume. O seqüestro esplênico pode constituir uma complicação
extremamente grave, associada à alta letalidade devida ao choque hipovolêmico que a
caracteriza.

A crise de seqüestro esplênico pode ser identificada pelo rápido aumento do baço, queda da
hemoglobina (mais do que 2 g/dl em relação ao nível basal) e indícios de persistência da resposta
compensatória eritróide pela medula óssea (reticulocitose e/ou eritroblastose). Esta última
característica a distingue de outra causa de queda importante de hemoglobina nestes pacientes, a
crise aplástica por infecção por parvovírus.

As manifestações clínicas incluem mal estar súbito, dor abdominal e sintomas de anemia e
hipovolemia. Ao exame físico, além da palidez, observa-se grande aumento do baço em relação
ao tamanho habitual daquele paciente e sinais de choque hipovolêmico.
A crise de seqüestro esplênico ocorre em pacientes com síndrome falciforme que ainda
mantêm o baço. Na maioria dos pacientes com anemia falciforme, o baço é destruído pelas
repetidas crises de infarto esplênico nos primeiros anos de vida. Assim, esta complicação ocorre
mais freqüentemente em crianças a partir dos 5 meses de idade e raramente após os 6 anos,
sendo a segunda causa mais freqüente de óbito nesta faixa etária. Pacientes afetados por outras
síndromes falciformes, cujo baço permanece aumentado na vida adulta, podem também
apresentar súbito acúmulo de sangue no baço, independentemente da faixa etária.
O tratamento tem que ser imediato, pois a morte pode ocorrer subitamente, poucas horas
após o início do quadro.

F. Acidente Vascular Cerebral (21) (22)

O infarto cerebral (predominante na infância) e a hemorragia intracraniana (predominante
nos adultos) constituem as principais complicações do sistema nervoso central associadas às
doenças falciformes, afetando quase 10% dos pacientes até a idade de 14 anos. A base
histopatológica é representada por uma associação de lesões obstrutivas, proliferativas da parede
vascular e desenvolvimento de extensa rede de circulação colateral.
As manifestações clínicas mais comuns são hemiparesia, afasia ou disfasia, convulsões,
monoparesias e cefaléia. Casos extremos são representados pela apresentação inicial na forma
de coma, ou como um simples acidente isquêmico transitório.
Além do quadro clínico, o diagnóstico depende de tomografia computadorizada ou
ressonância nuclear magnética.

Trata-se de situação de extrema gravidade, que exige intervenção terapêutica imediata.
Convém salientar que ocorre recidiva do acidente vascular cerebral em mais de 2/3 dos casos,
nos primeiros dois anos, nos pacientes não submetidos a tratamento transfusional, e em cerca de
10% daqueles tratados com transfusão.

G. Úlceras de Pernas

Úlceras de membros inferiores constituem uma das mais freqüentes manifestações da
anemia falciforme, comprometem significativamente a qualidade de vida e capacidade de trabalho
dos pacientes em virtude de sua cronicidade e resistência à terapia disponível, com elevadas
percentagens de recorrência.
A incidência de úlceras de membros inferiores é muito variável nos diferentes estudos, entre
25% e 75%. Outro aspecto de interesse e a variação da incidência em diferentes faixas etárias:
esta complicação apenas aparece a partir da segunda década de vida.


Clinicamente, há grande variabilidade no tamanho das Iesões que podem ser extremamente
dolorosas. Quase sempre se desenvolvem no tornozelo, acima dos maléolos; mais raramente,
comprometem a região pré-tibial e o dorso do pé. O início pode ser espontâneo ou subseqüente a
trauma mínimo.

Algumas úlceras são profundas, com envolvimento dos tecidos subcutâneos.

Freqüentemente há contaminação bacteriana secundária, que pode contribuir para o agravamento
e persistência das lesões. Outras complicações incluem o desenvolvimento de fibrose subcutânea
crônica, deformidade articular, periostite crônica, artrite localizada e, mais raramente, osteomielite.
Na maioria dos casos, ocorre ausência de cicatrização, com evolução crônica por meses e até
anos, especialmente no caso das úlceras maiores.

III. Diagnóstico e Tratamento

A. Diagnóstico Clínico

O diagnóstico de doença falciforme pode ser feito em variados contextos clínicos, como
descrito abaixo.

1) Em família sabidamente de portadores, quando do nascimento de uma criança buscase
identificar a presença da doença, mesmo antes de aparecerem os sintomas clínicos;
2) Em consultas de puericultura detecta-se anemia, esplenomegalia ou icterícia;
3) Em criança trazida aos cuidados médicos em situação de emergência, com alguma das
complicações agudas da doença. As situações mais comuns são:
a) síndrome mão-pé (dactilite aguda);
b) crise de dor ósteo-articular ou abdominal;
c) febre e infecção;
d) anemia intensa com ou sem esplenomegalia (aplasia temporária causada por
parvovírus ou crise de seqüestro esplênico;
e) síndrome torácica aguda.
4) Em crianças maiores e adolescentes em quem a doença não foi diagnosticada, a
apresentação pode ser:

a) complicações agudas, como crise de dor, necrose asséptica da cabeça do fêmur,
síndrome torácica aguda, acidente vascular cerebral;

b) complicações crônicas, como anemia, esplenomegalia, icterícia, úlceras de pernas,
cálculos biliares com ou sem icterícia obstrutiva, insuficiência cardíaca, complicações oculares.
Exceto no primeiro caso, quando já se conhece a condição de portadores da família, nas
outras situações, a maior ou menor facilidade com que se chegará ao diagnóstico depende do
grau de alerta do médico com relação aos sinais e sintomas das doenças falciformes. O
diagnóstico depende pois de um alto grau de suspeita clínica; se o clínico estiver atento para a
possibilidade, raramente deixará de diagnosticar a doença.

Havendo suspeita clínica, exames laboratoriais simples no paciente e na família podem
confirmar o diagnóstico com segurança. A principal dificuldade para o diagnóstico laboratorial é a
realização de transfusão prévia. Paciente com suspeita de anemia falciforme (ou qualquer
paciente com anemia) não deve ser transfundido antes que se tenham colhido amostras de
sangue para testes laboratoriais que permitam identificar a causa da anemia.

B. Diagnóstico Laboratorial

O diagnóstico laboratorial de doença falciforme pode ser firmado com base em dois
conjuntos de exames: 1) exame hematológico; 2) eletroforese de hemoglobinas acompanhada de
um teste confirmatório para HbS.


1. Exame hematológico na Anemia Falciforme.

a) Anemia. Se não houver deficiência adicional de ácido fólico ou de ferro, será do tipo
normocítico e normocrômico. Em geral, os níveis de hemoglobina situam-se na faixa de 6,5 a 8,5
g/ dl. Níveis consistentemente mais elevados sugerem formas atípicas, variantes com elevação
mais acentuada da HbF, ou a presença de doença SC ou S- b+-talassemia. Níveis de
hemoglobina mais baixos do que este devem despertam suspeita de uma das complicações
indicadas no quadro 4.
b) Reticulócitos. Estão elevados, exceto durante a complicação denominada crise
aplástica por parvovírus, em que há uma parada transitória (alguns dias) da eritropoese.
c) Alterações morfológicas. Além de achados inespecíficos como poiquilocitose,
anisocitose, hemácias em alvo, podem ocorrer hemácias alongadas e às vezes encurvadas
(hemácias falciformes). Eritroblastos em números variados podem ocorrer em qualquer das
formas de doenças falciformes.

2. Exame hematológico em doentes heterozigotos para HbS e HbC (Doença SC) e na
S-􀁅-talassemia.

São muito similares aos achados da anemia falciforme (anemia, reticulocitose, presença de
eritroblastos, presença ocasional de hemácias falciformes, alterações morfológicas inespecíficas).
Na S-b-talassemia, há microcitose e hipocromia. Na doença SC, as hemácias falciformes são
mais raras ou ausentes, sendo mais comuns as hemácias em alvo. Da mesma forma, são raras
ou ausentes na S-􀁅-talassemia, condição em que são abundantes as hemácias em alvo e na qual
ocorre acentuada hipocromia das hemácias.

3. Análise de hemoglobinas na anemia falciforme.

a) Eletroforese de hemoglobinas. Deve ser feita em pH alcalino. Nos pacientes com
anemia falciforme, demonstra a presença quase que exclusiva de HbS, acompanhada de
pequenas quantidades de HbA2 e de HbF. Não há HbA (cuidado, no entanto, se o paciente foi
previamente transfundido!).
b) Confirmação. Há duas confirmações necessárias: a primeira, que o exame dos pais
demonstre que ambos são heterozigotos (ou seja, têm HbS e HbA em proporções mais ou menos
iguais); a segunda confirmação consiste na demonstração de que a hemoglobina anormal
detectada na eletroforese seja mesmo HbS (e não uma outra que tem migração eletroforética
igual à HbS (por exemplo, HbD ou HbG). Isto é feito com eletroforese em gel de agar com tampão
citrato ou por meio de um teste de solubilidade.
c) Quantificação de HbA2 e de HbF. A HbA2 está em níveis normais (abaixo de 3%). Há
sempre uma elevação discreta ou moderada de HbF(3%-8%, dependendo da faixa etária).
Valores bastante elevados (acima de 12%-15%) são compatíveis com haplótipos raros no Brasil
(haplótipo Senegal ou Árabe-Indiano) ou quando há associação de gene para elevação de HbF.

4. Análise de hemoglobinas nas outras doenças falciformes.

a) Doença SC. Caracteriza-se pela presença de HbS e HbC em iguais proporções. O
exame dos pais demonstra que cada um é heterozigoto para uma das hemoglobinopatias (um
será HbA + HbC e o outro HbS + HbA). Nestes pacientes não é possível medir a HbA2 (nem há
necessidade de fazê-lo).
b) Doença SD. Esta é uma associação pouco comum no Brasil. A eletroforese do
doente é idêntica à da anemia falciforme: tem apenas "HbS". No entanto, o teste confirmatório
(seja eletroforese em agar, seja o teste de solubilidade) dá resultado como se fosse um
heterozigoto AS, pois a HbD migra como a HbS na eletroforese alcalina, mas no agar ou na
solubilidade parece HbA. O estudo dos pais revela que ambos são heterozigotos para HbA +
"HbS", mas apenas um deles dá resultado compatível com AS no teste confirmatório; o outro
(portador de HbD + HbA) dá um resultado como se fosse normal (AA) no teste confirmatório.
c) S-􀁅-talassemia. O exame dos pais mostrará que um deles é heterozigoto AS, enquanto
o outro tem apenas HbA, mas uma elevação da HbA2 (acima de 4%), além de microcitose e
hipocromia, indicando que ele é heterozigoto para 􀁅-talassemia. O resultado da eletroforese do
doente depende do tipo de 􀁅-talassemia que afeta a sua família: a) se for 􀁅º-talassemia, o gene 􀁅-
talassêmico não funciona e a única hemoglobina produzida será HbS. O exame será idêntico ao
do paciente com anemia falciforme, acrescido de uma elevação da HbA2; b) se for 􀁅+-talassemia,
o paciente produz um pouco de HbA, e a eletroforese mostrará predominantemente HbS, uma
elevação discreta ou moderada de HbF, elevação da HbA2 e presença de traços de HbA (em
geral, de 5% a 20%).

5. Teste de falcização.

No passado era o principal método laboratorial para diagnóstico da presença de HbS. Hoje
está abandonado. A eletroforese de hemoglobina popularizou-se porque é um teste barato,
simples e de fácil interpretação. O teste de falcização é de difícil padronização, dá resultados
ambíguos e não distingue com clareza o homozigoto SS do heterozigoto AS.
C. Tratamento (23)
A abordagem terapêutica da anemia falciforme pode ser classificada em medidas gerais
destinadas a preservar a saúde e prevenir eventos clínicos desfavoráveis e medidas específicas,
aplicadas de acordo com determinadas situações.

1. Medidas gerais.

Não há cura para as doenças falciformes. Os pacientes e familiares devem entender que se
trata de uma doença crônica com a qual terão de conviver a vida toda. A educação da família e a
do paciente representam, pois, papel importante neste sentido. Da mesma forma, deve haver um
claro vínculo do paciente e da família com um centro de atendimento (e se possível, com um
médico) habituado a tratar este tipo de doença, evitando recorrer a diferentes locais e hospitais.


Medidas gerais no tratamento das doenças falciformes

  •  Educação do doente e da família
  •  Aconselhamento genético da família e detecção de outros portadores
  •  Acompanhamento do crescimento e desenvolvimento neuro-motor e sexual
  •  Vacinação, incluindo vacina antipneumocócica e vacina contra hepatite B
  •  Profilaxia de septicemia com uso regular de penicilina
  •  Suplementação de ácido fólico
  •  Hidroxluréia
  •  Acompanhamento para detectar acentuação da anemia
  •  Exames regulares para detectar complicações oculares (fundo de olho), cardíacas, renais e hepáticas
  •  Exames adicionais para esclarecer alterações detectadas: oculares, cardíacas, renais, hepáticas, metabólicas, acentuação da anemia
  •  Tratamento ou prevenção de complicações específicas
A visita ao centro de tratamento deve ocorrer 2-4 vezes por ano, quando não há
complicações ou crises agudas. O médico deve preocupar-se em avaliar o crescimento,
desenvolvimento sexual e complicações oculares e renais, que podem se instalar de modo
insidioso, sem expressão clínica exuberante (Quadro 5). É necessário avaliar se o nível de
hemoglobina está estável ou se houve uma queda, sugerindo complicação, como a deficiência de
ácido fólico. A cobertura de vacinas (antipneumocócica e anti-hepatite B) deve ser observada,
assim como o uso preventivo regular de penicilina. Da mesma forma, a possibilidade de
desenvolvimento de acidente vascular cerebral pode ser prevista pelo uso da ultra-sonografia
transcraniana.

É importante também orientar pacientes e mães quanto à necessidade de procurar
tratamento médico sempre que ocorrer febre persistente acima de 38°C, dor torácica, dispnéia,
dor abdominal, náuseas, vômito, cefaléia persistente, letargia ou alteração de comportamento,
aumento súbito do volume do baço, priapismo.

A profilaxia de septicemias (24) deve ser iniciada aos 3 meses de idade para todas as
crianças com doenças falciformes (SS, SC, Sb-talassemia) e deve continuar pelo menos até os 5
anos de idade. No entanto, como as complicações infecciosas podem ocorrer mais tardiamente, o
uso de penicilina até a adolescência é uma medida razoável. Pode-se utilizar a forma oral
(penicilina V) ou parenteral (penicilina benzatina), sendo a segunda alternativa mais barata e mais
confiável em famílias de menor nível socioeconômico e educacional.

Em casos de alergia à penicilina, pode ser utilizado o etilsuccinato de eritromicina, 20mg/kg
de via oral, 2 vezes ao dia.
Há três recursos terapêuticos que merecem especial destaque: o uso da hidroxiuréia, a
transfusão de hemácias e as potencialidades do transplante de medula óssea. Tais recursos
serão abordados a seguir.

a) Hidroxiuréia (25) (26)

A hidroxiuréia é um antimetabólito que interfere com o metabolismo do ácido fólico, bastante
utilizada como um agente quimioterápico. É o único medicamento a respeito do qual há consenso
na literatura médica que funciona melhorando a sintomatologia clínica e o quadro laboratorial da
anemia falciforme e da S-􀁅-talassemia. Seu mecanismo de ação nestas doenças não está
completamente esclarecido. Algumas semanas ou meses após o início do seu uso há elevação da
HbF (o que certamente contribui para a melhora clínica produzida), mas a ação é mais complexa e
envolve o aumento do volume das hemácias, a modificação da expressão de moléculas de
adesão e a redução do número de leucócitos, o que contribui para diminuir as respostas
inflamatórias envolvidas na gênese das lesões tissulares.

O efeito benéfico do medicamento está bem demonstrado em adultos e crianças. O principal
cuidado com seu uso refere-se à leucopenia e plaquetopenia que pode produzir e que constituem os limitantes quanto à dosagem. Por este motivo, somente deve ser utilizado por médico
hematologista que tenha experiência no uso de medicamentos antineoplásicos. Apesar de ser um
quimioterápico, o seu uso amplo há alguns anos, envolvendo alguns milhares de pacientes, não
revelou ainda efeitos indesejáveis neste sentido, como, por exemplo, o desenvolvimento de
neoplasias secundárias. Embora esta hipótese não possa ser completamente afastada, os
benefícios a curto e médio prazos e a ausência de relatos de efeitos indesejáveis, até o presente,
justificam seu uso. Sua indicação específica está relacionada com a sintomatologia e grau de
comprometimento clínico: pacientes oligossontomáticos não necessitam da medicação, enquanto
os que têm crises de dores repetidas, tiveram crise de seqüestro esplênico ou acidente vascular
cerebral são candidatos potenciais a utilizar o medicamento.

Embora a maioria dos pacientes respondam bem ao seu uso, há uma heterogeneidade e
não se conhecem ainda os fatores que a determinam, nem parâmetros que permitam identificar os
pacientes que responderão melhor. Além disso, há que se enfatizar que a resposta pode ser mais
ou menos imediata ou mais retardada, no curso de alguns meses. Além da melhora de
parâmetros laboratoriais, como a elevação do nível de hemoglobina, há resposta clínica, como a
redução de gravidade e da freqüência das crises dolorosas. Há também relatos de que o seu uso
pode levar, a longo prazo, à reversão de lesões tissulares crônicas, como o retorno da função
esplênica em pacientes que tinham asplenia.
A dose inicial deve ser de 10mg/kg de peso, sendo progressivamente aumentada até ao
máximo de 20-30mg/kg. O aumento progressivo da dose é acompanhado pelas contagens de
células no exame de sangue, com atenção especial em relação ao número de granulócitos,
plaquetas e reticulócitos, que não devem baixar a valores inferiores a 2.000/mm3, 100.000/mm3 e
50.000/mm3, respectivamente.

b) Transfusão de hemácias

Transfusão não deve ser utilizada como forma rotineira de tratamento das doenças
falciformes. A transfusão não tem utilidade demonstrada e está, portanto, contra-indicada na
anemia assintomática, crises dolorosas não complicadas, infecções que não põem em risco a vida
ou nas necroses assépticas. Não se deve ignorar que o uso de transfusões está associado a
riscos, como sobrecarga de volume, reações hemolíticas imediatas ou retardadas, reações febris
não hemolíticas, sobrecarga de ferro e transmissão de infecções como hepatites B e C, HIV ou
outros agentes. Além disso, a transfusão de hemácias aumenta a viscosidade sangüínea, o que
pode ser um agravante ou provocar complicações nas doenças falciformes.

Em condições crônicas, com anemia compensada, níveis de hemoglobina baixos são
relativamente bem tolerados e a transfusão está indicada apenas quando há sinais de
insuficiência cardíaca, dispnéia e disfunção do sistema nervoso central. Indicações específicas do
uso de transfusão incluem acidente vascular cerebral (mantida por pelo menos 5 anos após o
episódio agudo), crises aplásticas (com níveis de hemoglobina abaixo de 5 g/dl e
reticulocitopenia), crises de seqüestro esplênico, tratamento da septicemia (pacientes instáveis ou
em estado de choque). O uso de exsangüíneo-transfusão (não apenas para corrigir a anemia,
como para obter uma redução rápida de concentração de HbS para níveis <30%) está indicado
como parte do tratamento do priapismo, de crises graves de síndrome torácica aguda e ainda em
cirurgias oculares, obstrução de retina, insuficiência hepática, choque séptico, acidose metabólica
e realização de angiografia cerebral. O uso de transfusões profiláticas para obter níveis de
hemoglobina de 10 g/dI e de HbS<30% é consensual como forma de preparo para cirurgias. Esta
conduta no 3º trimestre da gestação de paciente com doença falciforme é controverso, mas seu
emprego tem justificativa. Finalmente, um programa de transfusão regular, pelo prazo de 6 meses,
pode ser benéfico como abordagem adicional para o tratamento de úlceras rebeldes de pernas.

c) Transplante de medula óssea

O transplante de medula óssea, tendo como doador um irmão HLA compatível normal ou heterozigoto AS, representa uma abordagem ainda em avaliação em centros de transplantes.
Uma fonte possível de doação nestes casos é representada por células do cordão umbilical de um
irmão. Há benefícios claros, mas também riscos associados ao procedimento e de perda do
transplante, de forma que se trata de conduta a ser indicada apenas em centro de pesquisa, no
contexto de um protocolo de investigação.

2. Tratamento de situações específicas

Algumas situações requerem medidas terapêuticas específicas em casos de anemia
falciforme. Tais situações são as crises de dor, febre, seqüestro esplênico, úlceras das pernas e
acidente vascular cerebral.

a) Crise de dor

O objetivo deve ser aliviar a dor e tratar os problemas desencadeantes, principalmente
infecção, hipóxia, acidose e desidratação (27). Quando há um quadro de dor, os pacientes devem
sempre ser avaliados quanto à possível presença de processo infeccioso, especialmente se
houver febre. A febre não deve ser considerada automaticamente como simples conseqüência do
episódio vaso-oclusivo: a presença de uma infecção desencadeando a crise de dor deve ser
avaliada por meio de uma busca ativa de focos infecciosos. Outras causas desencadeantes são o
frio, a desidratação e a acidose. Pacientes desidratados necessitam de reposição hidroeletrolítica
cuidadosa. Hiper-hidratação pode ser útil, mas deve ser feita com cautela porque estes pacientes
têm dificuldade de adaptar-se a infusões rápidas e podem desenvolver edema pulmonar.
A principal abordagem para o tratamento da crise de dor é o uso de analgésicos. O
analgésico utilizado depende da intensidade da dor e de sua duração. Pacientes com dor
moderada devem tomar aspirina e aumentar a ingestão hídrica, sendo reavaliados após 24 horas.
O médico deve estar atento às complicações que podem sugerir uma simples crise de dor vasooclusiva:
pacientes com dor abdominal importante, por exemplo, devem ser internados para
observação e submetidos à avaliação por um cirurgião. Uma causa de dor abdominal que sempre
deve ser considerada, a partir da segunda década de vida, é a presença de cálculos biliares,
colicistite e a obstrução biliar.

A investigação laboratorial deve incluir exame de sangue e contagem de reticulócitos. Para
os pacientes febris, incluir radiografia de tórax, hemocultura, exame de urina e, na dependência
dos sintomas, punção de líquor. Se houver sinais de síndrome torácica, solicitar radiografia de
tórax, hemocultura, cultura de escarro e gasometria. Se a suspeita for de osteomielite ou artrite
séptica, realizar aspiração direta da área envolvida para cultura e avaliação ortopédica.

Quando a dor é intensa e não pode ser controlada com aspirina e hidratação, ou quando
persiste por mais de 24 horas, é necessário instituir medicação analgésica mais potente,
procurando adotar um padrão de uso a intervalos regulares. Os narcóticos mais freqüentemente
utilizados são morfina, meperidina e metadona, administrados por VO ou IM a cada 4 horas
(morfina, meperidina) ou a cada 6 horas (metadona). Quando a dor é intensa e necessita o uso de
morfina parenteral, o paciente deve ser internado.

b) Febre

A abordagem de pacientes com síndrome falciforme que apresentam febre deve levar em
conta que eles têm suscetibilidade aumentada a infecções e podem ser vítimas de septicemias
graves e rapidamente fatais. Por estes motivos, a febre deve ser encarada com muito rigor e o
paciente observado com muita atenção. Além do mais, é necessário usar antibióticos mais
precocemente, e com mais vigor, em comparação com a abordagem mais conservadora que se
pode adotar em pacientes que não têm doença de base.
Já foi apontada a possibilidade de septicemia por S. pneumoniae em pacientes com
ausência ou redução da função do baço. Outros agentes comumente encontrados são: H.
influenzae, E. coli, S. aureus e Salmonella. Os focos mais freqüentemente envolvidos são sangue,
pulmões, meninges, ossos e vias urinárias.
Duas abordagens profiláticas que reduzem muito o risco de septicemias fatais em crianças
com anemia falciforme são o uso de vacina antipneumocócica e de penicilina. A profilaxia pode
ser feita com penicilina oral, que tem a desvantagem do custo e de exigir duas doses diárias;
alternativamente, a penicilina benzatina pode ser usada a cada 2 semanas.
Quando o paciente se apresenta com febre, deve ser feita uma investigação laboratorial que
inclui hemograma completo, exame de urina, radiografia de tórax e culturas de sangue, urina e
garganta.
Em muitos casos, o tratamento com antibióticos deve ser iniciado imediatamente, antes de
receber os resultados de culturas. Os antibióticos devem ser selecionados com base na sua
capacidade em eliminar S. pneumoniae e H. influenza e de penetrar no sistema nervoso central.
Crianças com aspecto toxêmico ou com temperatura superior a 39,9°C devem ser
internadas e tratadas com antibióticos endovenosos rapidamente, mesmo antes da realização da
radiografia ou dos resultados do hemograma. Se houver sinais ou suspeita de meningite, deve ser
realizada punção de líquor.
Crianças não toxêmicas ou com temperatura inferior a 39,9°C, cuja radiografia de tórax
mostra infiltrado, ou com contagem leucocitária acima de 30.000/mm3 ou abaixo de 5.000/mm3,
devem ser internadas e tratadas com antibióticos por via parenteral.
Crianças não toxêmicas ou com temperatura inferior a 39,9°C, sem infiltrado na radiografia,
com contagem leucocitária normal, podem ser inicialmente tratadas com antibióticos por via oral e
observadas por algumas horas, com retorno no dia seguinte para reavaliação e nova radiografia.
Se a criança permanecer bem e as culturas forem negativas, os antibióticos podem ser
suspensos. Septicemia documentada deve ser tratada por via parenteral, por pelo menos 7 dias.
Meningite bacteriana deve ser tratada parenteralmente, por pelo menos 10 dias ou por 7 dias após
esterilização do fluido cerebrospinal.

c) Seqüestro esplênico

A crise de seqüestro esplênico é uma situação de emergência que exige tratamento
imediato, pois a morte pode ocorrer subitamente, no prazo de algumas horas.
O tratamento inclui reposição de volume e transfusões de hemácias, procurando manter os
níveis de hemoglobina entre 9 e 10 g/dl. A redução acentuada do tamanho do baço e um aumento
dos níveis de hemoglobina são indícios da reversão do seqüestro.
A letalidade é elevada (cerca de 20%) e cerca de metade dos pacientes que sobrevivem
voltam a ter novo episódio. Por isso, após a ocorrência de uma crise, muitos hematologistas
tendem a indicar a esplenectomia. Crianças com idade inferior a 3-4 anos são colocadas em
regime transfusional regular para evitar nova crise de seqüestro, até que atinjam 4 anos e possam
ser submetidas à esplenectomia.

d) Úlceras de pernas

A prevenção inclui medidas educativas, como a proteção contra traumas, usando meias de
algodão e sapatos. Usar repelentes para prevenir picadas de insetos, hidratantes para evitar
ressecamento da pele e meias elásticas de média compressão. Pequenos traumas devem ser
prontamente tratados.
O tratamento das úlceras propriamente ditas é semelhante àquele utilizado em úlceras de
outras etiologias, lembrando que a cicatrização pode ser demorada. As medidas locais incluem o
desbridamento, tratamento do edema e da infecção. Muitas vezes, o curativo deve ser feito com
uso de analgésicos orais ou endovenosos. O controle do edema pode ser feito com o uso de
botas de Unna, e o tratamento da infecção exige o uso de antibióticos locais e eventualmente
sistêmicos.

Nos casos resistentes, o uso de transfusões e repouso podem favorecer a cicatrização.
Finalmente, em alguns casos, é necessário o uso de enxertos de pele. Nestes casos, a úlcera
deve estar livre de infecção e o procedimento cirúrgico pode ser precedido de transfusão de troca
parcial do sangue, para reduzir a proporção de HbS e facilitar a cicatrização. 

e) Acidente vascular cerebral (AVC)

Uma medida comum e imediata a todos os pacientes com acidente vascular cerebral é a
transfusão de hemácias, visando a manter um nível de HbS no sangue inferior a 30%. Isto diminui
a progressão da doença e em muitos casos contribui para a reversão das manifestações. Outras
medidas de tratamento durante o episódio agudo dependem da manifestação clínica e devem ser
adequadas a cada caso: ventilação assistida, agentes farmacológicos para combater o edema
cerebral, terapia anticonvulsivante.

Como foi já enfatizado, cerca de 2/3 dos pacientes têm recidiva do acidente vascular
cerebral dentro dos primeiros 2 anos. Por isso, o paciente que sofreu um episódio de AVC deve
ser colocado em um programa de transfusão regular a cada 3-4 semanas, visando a manter níveis
de hemoglobina pré-tansfusional de 8-9 g/dl, com proporção de HbS inferior a 30%, por um
período de pelo menos 2 anos. Mesmo com esta abordagem, ocorrem recidivas, se bem que
muito mais raramente.



DOENÇAS FALCIFORMES
E MEDICINA COMUNITÁRIA:
OS PONTOS DE INTERVENÇÃO


O diagnóstico precoce tem um papel central na abordagem dessas doenças, uma vez que
podem ser tratadas adequadamente e as complicações evitadas ou reduzidas. Por se tratar de
doenças crônicas e hereditárias, causam grande impacto sobre toda a família, que deve ser o foco
da atenção médica. A abordagem adequada depende da colaboração de equipes
multiprofissionais treinadas em centros de referência, da participação da família e da comunidade.
Portanto, um programa voltado para as doenças falciformes deve incluir um forte componente de
educação da comunidade e dos profissionais de saúde.

Quando diagnosticadas precocemente e tratadas adequadamente com os meios atualmente
disponíveis e com a participação da família, a gravidade e a letalidade podem ser reduzidas
expressivamente. O aconselhamento genético em um contexto de educação pode contribuir para
reduzir sua incidência, tendo em vista, no entanto, que estas intervenções deverão sempre
considerar os referenciais da bioética na abordagem de uma doença genética.

No sentido de promover uma intervenção organizada, visando ao diagnóstico, tratamento e
prevenção da doença em todo o território nacional, um grupo de trabalho do Ministério da Saúde
elaborou um Programa de Anemia Falciforme, contemplando um conjunto de ações de promoção
do seu conhecimento, prevenção da doença, a facilitação do acesso aos serviços de diagnóstico e
tratamento, bem como as ações educativas dirigidas aos profissionais de saúde e à população.



PROGRAMA
DE ANEMIA FALCIFORME
DO MINISTÉRIO DA SAÚDE



Objetivo Geral 

Promover e implementar ações que permitam: a) reduzir a morbimortalidade e melhorar a
qualidade de vida das pessoas com doença falciforme; b) disseminar informações relativas à
doença.

Objetivos Específicos

a)  Buscar, captar e organizar recursos;
b)  identificar a realidade epidemiológica da doença;
c)  definir serviços de referência para diagnóstico e tratamento da doença falciforme;
d)  ampliar o acesso das pessoas aos serviços e melhorar a qualidade do diagnóstico;
e)  identificar, catalogar e integrar, no programa, instituições e organizações não-
governamentais (ONGs) atuantes na área;
f)  identificar, catalogar e credenciar instituições não-governamentais habilitadas a prestar
serviços conforme os objetivos do Programa;
g)  promover ações educativas, visando informar a população sobre a doença;
h)  capacitar profissionais de saúde para a prevenção, diagnóstico e tratamento da doença;
i)  promover intercâmbio com especialistas atuantes nas universidades, outras instituições
de pesquisas e nos serviços de saúde;
j)  promover o desenvolvimento tecnológico, apoiando estudos e pesquisas no campo do
diagnóstico da doença, na promoção da saúde e na prevenção do agravamento da doença;
k)  promover a busca ativa de pessoas afetadas.
Componentes do Programa
a)  Promoção da busca ativa de pessoas afetadas;
b)  promoção da entrada, no programa, dos pacientes já diagnosticados ou que venham a
ser diagnosticados;
c)  expansão do conhecimento da situação epidemiológica da doença;
d)  ampliação do acesso aos serviços de diagnóstico e tratamento das doenças falciformes;
e)  estímulo à criação e apoio às associações de falcêmicos;
f)  levantamento, cadastramento e busca de parceria com instituições e ONGs com
atuação na área de doença falciforme;
g)  implementação das ações educativas;
h)  capacitação de recursos humanos;
i)  desenvolvimento científico e tecnológico;
j) bioética;
k)  credenciamento de centros de referência para diagnóstico e tratamento.

Diagnóstico Neonatal 

A destruição do baço é a principal responsável pela suscetibilidade aumentada a infecções
graves (septicemias por agentes gram-positivos, em especial pneumococos e Haemophilus). Em
conseqüência disso, se a doença não for diagnosticada precocemente e iniciadas as medidas
terapêuticas e profiláticas, há uma alta letalidade na infância, sendo poucos os afetados que
sobrevivem à idade adulta (28).

Duas intervenções foram as que mais contribuíram para prolongar a sobrevida dos
pacientes com anemia falciforme, principalmente pela expressiva redução da letalidade nos
primeiros anos de vida, resultante das complicações agudas, em especial a grande suscetibilidade
à septicemia provocada pela asplenia: a profilaxia de infecções (com penicilina e vacinas
antipneumococos) e a educação das famílias. O seu sucesso depende do estabelecimento destas
ações profiláticas muito precocemente, antes que apareçam os sintomas da doença, o que
costuma ocorrer a partir do sexto mês de vida, mas, em muitos casos, o diagnóstico é feito mais
tardiamente, já no período pré-escolar. Enquanto o diagnóstico não é firmado, há sempre o risco
de complicações agudas, sendo a mais temida a septicemia por gram-positivos, principal
responsável pelas mortes súbitas desta doença na primeira infância, além da crise de seqüestro
esplênico, da aplasia aguda transitória associada à infecção por parvovírus e do acidente vascular cerebral. 


A experiência de vários países (Estados Unidos, Jamaica, França) tem demonstrado que a
maneira mais eficiente e efetiva, do ponto de vista de custo-benefício, é a implantação de
programa de diagnóstico neonatal. Todos são baseados em coleta de pequena amostra de
sangue (em geral uma gota de sangue em papel de filtro – teste do pezinho) e análise posterior
por focalização isoelétrica, cromatografia de alto desempenho ou teste baseado em DNA. Em
geral o resultado pode ser encaminhado ao hospital de origem ou médico da criança em duas
semanas e, nos casos em que se firma o diagnóstico de doença falciforme, a profilaxia e
educação podem ser iniciados muito precocemente. No Brasil há iniciativas isoladas em alguns
municípios e no Estado de Minas Gerais, mostrando a viabilidade desta abordagem.
O heterozigoto para HbS

Pais e alguns irmãos de pacientes com anemia falciforme são heterozigotos para HbS, ou
seja, têm um gene normal e um gene alterado, de modo que produzem HbA e HbS. Estes
heterozigotos são muitas vezes chamados de "portadores", "portadores assintomáticos" ou
"portadores do traço falcêmico". Como já indicado no capítulo sobre prevalência, cerca de 1 %-2%
da população brasileira e cerca de 6%-10% de pretos e mulatos são heterozigotos ou portadores.
De um modo geral, esta é uma situação benigna, assintomática, porque como a hemácia contém
cerca de 50% de HbS e 50% de HbA, não ocorre falcização em condições fisiológicas, mas
apenas quando a tensão de oxigênio cai muito, o que não acontece mesmo na maioria das
condições patológicas.

Qual o significado para o indivíduo saber que é portador, ou para os pais saberem que seu
filho é portador? Alguns pontos sobre os quais há acordo são descritos a seguir.

1.  O heterozigoto não é doente. A maioria passa a vida toda sem saber que é portador e
muitos só ficam sabendo que são portadores na vida adulta, quando têm um filho ou um outro
parente afetado.
2.  O principal cuidado do portador é saber se o cônjuge também é portador de HbS ou
outra hemoglobinopatia (como talassemia). Se o cônjuge também for portador, o casal precisa ser
informado de que pode ter um filho com a forma grave, sintomática da doença, e ser orientado
quanto às opções.
3.  Há algumas situações em que pode ocorrer hipóxia muito intensa, em que há relatos
(bem documentados ou não) de manifestações clínicas envolvendo heterozigotos. Por isso, seria
prudente que heterozigotos evitassem condições em que pode ocorrer queda acentuada do nível
de oxigênio: vôo em cabina não pressurizada, salto de pára-quedas, mergulho e pesca submarina.
4.  Há um relato de um estudo retrospectivo mostrando uma maior incidência de morte
súbita entre recrutas militares AS (em comparação com os normais AA), quando submetidos a
treinamento intensivo. O significado desta observação é controverso, mas não aponta para um
risco relativo, significativamente mais elevado neste grupo.
5.  O sangue obtido em doações para banco de sangue pode ser utilizado para tratar
pacientes em situações muito críticas, eventualmente em condições de anóxia grave. Nestas
condições, é possível que o sangue de um heterozigoto AS tenha comportamento anômalo,
inclusive com falcização das hemácias. Por este motivo, os heterozigotos não devem ser
doadores de sangue.
6.  Alterações renais são descritas com certa freqüência entre heterozigotos AS. As
alterações mais comuns são defeitos da concentração urinária, mas sem conseqüências clínicas
definidas. Hematúria microscópica é outra complicação rara descrita nesse grupo de indivíduos.
Sua etiologia é obscura e o quadro é geralmente autolimitado, embora mais raramente possa
apresentar-se de forma grave. Por ser uma complicação rara, quando um indivíduo portador de
HbS tiver hematúria, as outras causas mais comuns de hematúria devem ser investigadas e não
se deve atribuir apenas à heterozigose AS uma hematúria, a não ser que as causas mais comuns
tenham sido excluídas. Bacteriúria assintomática é significativamente mais freqüente em mulheres
AS, traduzindo-se em maior freqüência de pielonefrites.
7.  Não há documentação de que a heterozigose esteja associada a outras manifestações
clínicas significativas. Em especial, não há associação com anemia, deficiência de ferro ou folato,
leucopenia, plaquetopenia, manifestações hemorrágicas, abortos, maior suscetibilidade a
infecções, icterícia e esplenomegalia.




DEFICIÊNCIA DE
GLICOSE-6-FOSFATO
DESIDROGENASE

MARCO A. ZAGO 
Professor Titular de Clínica Médica 
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto 
Universidade de São Paulo



I. Características Gerais
A deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase é um defeito enzimático das hemácias que
pode causar episódios de hemólise aguda, ou anemia hemolítica crônica, ou ainda ser
assintomático. De fato, a maioria dos afetados são assintomáticos. É o defeito enzimático mais
comum da espécie humana, sendo encontrado em muitas populações e com maior freqüência
entre negros africanos e em mediterrâneos.

A.  Genética, Defeito Molecular e Patologia Celular

A hemácia tem um metabolismo relativamente simples. Utiliza a glicose para gerar energia
na forma de adenosina trifosfato (ATP) e potencial redutor na forma de nicotinamida-adenina-
dinucleotídio (NADH) e nicotinamida-adenina-dinucleotídio-fosfato (NADPH). A glicose que
penetra na hemácia é metabolizada principalmente pela via de Embden-Meyerhoff (ou via
glicolítica ou do metabolismo anaeróbico) que gera lactato, ATP e NADH. Uma segunda via de
metabolismo, denominada ciclo ou desvio das pentoses, gera gás carbônico (CO2) e NADPH
(Figura 1). Esta via é ativada em condições de estresse oxidativo, por exemplo, quando o
indivíduo é exposto a uma substância oxidativa natural ou artificial (medicamentos, substâncias
tóxicas). Nestas condições, os indivíduos que têm deficiência desta enzima não são capazes de
gerar potencial redutor, e ocorre oxidação de numerosos compostos essenciais para a
sobrevivência da hemácia, como grupamentos tióis da membrana, formação de corpos de Heinz,
aumento do cálcio intra-eritrocitário e, finalmente, destruição da célula (hemólise) (1).


A enzima G-6-PD é produzida por um gene que está no cromossomo X. Isto quer dizer que
as mulheres têm o gene em dose dupla e, mesmo que tenham herdado um cromossomo com o
gene defeituoso (heterozigotas), não apresentam anormalidade clínica, pois o gene restante no
outro cromossomo é suficiente para compensar a falta. Por outro lado, os homens têm apenas um
cromossomo X e, quando herdam um gene defeituoso (sendo chamados hemizigotos), podem ter
manifestações clínicas.
Assim, um homem que tem o defeito herdou o gene anormal de sua mãe e pode passá-Io
para suas filhas (que serão "portadoras", porém sem manifestações), mas não para seus filhos
homens.

B. Genética Populacional

A deficiência de G-6-PD afeta mais de 200 milhões de pessoas no mundo, mas felizmente
apenas uma parcela delas tem manifestações clínicas. A doença foi inicialmente descrita em
negros norte-americanos que tomavam primaquina para tratamento ou profilaxia de malária.
Embora a ocorrência esporádica deste defeito tenha sido descrita em grande número de
populações das mais diversas regiões do mundo, a deficiência tem prevalência elevada e maior
interesse populacional entre negros e em certas áreas do MediterArâneo. Sua prevalência em
negros norte-americanos é de 12-15%, entre italianos é de 1,3-2,0% (mas atinge 14-48% na
Sardenha) (2).
Como conseqüência desta distribuição, a doença ocorre no Brasil em descendentes de
mediterrâneos (especialmente italianos) e entre negros e pardos. No sul e sudeste do país, a
deficiência afeta cerca de 2% dos homens brancos e, em diversas regiões do Brasil, atinge cerca
de 10% dos homens pretos e pardos (3) (4).

II. Manifestações Clínicas

A presença de manifestação clínica e a sua gravidade depende da variante de enzima da
qual o paciente é portador (5). A forma comum ou normal da enzima é denominada variante B. As
três variantes mais comuns da enzima são chamadas A-, A+ e mediterrânea (ou B-).
Quase todas a pessoas de origem africana com deficiência de G-6-PD têm a variante A-
,assim chamada porque tem uma mobilidade eletroforética mais rápida do que a normal B e
porque a atividade enzimática residual está muito diminuída (3%-7% do normal). Esta quantidade
de enzima residual é suficiente para manter as atividades metabólicas em condições normais e
estes indivíduos não têm habitualmente manifestações clínicas. No entanto, podem ter hemólise
aguda, quando expostos a diversas substâncias, como as indicadas no Quadro 1.
Muitos negros têm uma variante denominada A+. Ela tem a mesma mobilidade eletroforética
que a variante A-, mas a quantidade residual da enzima é de cerca de 80% e nestes casos não há
manifestações clínicas.

A terceira variante comum é a variante mediterrânea ou B-. Tem mobilidade eletroforética
como a normal, mas a quantidade de atividade enzimática residual é muito pequena e, por este
motivo, as reações hemolíticas provocadas por drogas são muito mais graves nos portadores
desta variante do que nos negros com a variante A-. Por exemplo, medicamentos como
cloranfenicol, acetaminofeno, quinina, quinidina não são hemolíticos ou são hemolíticos apenas
em doses muito elevadas para indivíduos com a variante A-, mas podem causar hemólise grave
em portadores da variante mediterrânea. Além disso, o favismo, isto é, a hemólise aguda causada
pela ingestão de favas frescas, somente ocorre nos portadores da variante mediterrânea e não
nos portadores da variante A-.

Além destas três variantes, há cerca de 300 outras, em geral de ocorrência limitada. A
maioria é assintomática, mas algumas estão associadas a crises hemolíticas agudas ou à anemia
hemolítica crônica


A.  Crise Hemolítica Aguda

O exemplo clássico é a hemólise provocada por primaquina em negros com a variante A-.
Após 2-3 dias do uso da medicação, aparece hemoglobinúria (indicativo de hemólise intravascular),
associada à fadiga, fraqueza, mal-estar, dor abdominal ou lombar e icterícia. Há uma rápida queda
dos níveis de hemoglobina e rápido aumento dos reticulócitos. Nos primeiros dias é possível
identificar corpos de Heinz nos eritrócitos. Após 5-6 dias, o episódio agudo termina e o paciente
recupera-se, mesmo que continue ingerindo a medicação. Isto se deve ao fato de que a variante A-
é muito pouco estável, e os eritrócitos mais velhos  não contêm a enzima, sendo rapidamente
destruídos no início do episódio hemolítico. Já os reticulócitos são mais ricos quanto ao conteúdo
enzimático e, à medida que as hemácias mais velhas vão sendo destruídas e a reticulocitose
aumenta, a quantidade média de enzima no sangue aumenta, ficando o paciente refratário à
hemólise mais intensa. A reação pode ser mais intensa e grave em pacientes com a variante
mediterrânea. Além de drogas, outra causa comum que pode despertar a crise de hemólise
nestes pacientes são infecções de qualquer tipo.
Além da variante A- e da mediterrânea, há outras variantes associadas a crises de hemólise
aguda. O tratamento, nestes casos, consiste em medidas sintomáticas e de suporte: cuidados
para evitar a insuficiência renal (mantendo em especial hidratação e boa diurese) e uso cauteloso
de transfusão de hemácias.

B.  Icterícia Neonatal (Kernicterus)

A icterícia é relativamente comum no período neonatal, causada por diferentes mecanismos.
Quando a icterícia é mais intensa, com elevação mais acentuada da bilirrubina (acima de 20 mg%)
existe o perigo de deposição de bilirrubina em tecidos cerebrais, causando um quadro neurológico
grave conhecido com o nome de Kernicterus. Estudos realizados no Brasil demonstram resultados
discrepantes, quer indicando que a icterícia neonatal é mais freqüente em recém-nascidos com
deficiência de G-6-PD ou não. No entanto, mesmo o estudo que demonstrou uma associação não
detectou nenhum caso de icterícia grave entre os indivíduos com deficiência.


C.  Anemia Hemolítica Crônica não Esferocítica
Cerca de 1% dos mediterrâneos com deficiência de G-6-PD e portadores de outras
variantes raras têm uma forma crônica de anemia hemolítica de intensidade variável, com
reticulocitose, icterícia moderada, esplenomegalia e ausência de esferócitos em circulação. A
causa da doença somente pode ser comprovada pela demonstração da deficiência da enzima,
com métodos qualitativos ou, de preferência, com métodos de dosagem quantitativos.

III. Diagnóstico

O diagnóstico da deficiência de G-6-PD é feito pela demonstração da atividade diminuída ou
ausente da enzima. Há vários métodos qualitativos que se baseiam na produção de NADPH (por
fluorescência ou por redução da metemoglobina). O diagnóstico de certeza depende da
demonstração de baixa atividade enzimática medida quantitativamente por espectrofotometria.
De um modo geral, a maioria dos serviços de hematologia e os laboratórios clínicos são
capacitados a realizar um dos testes qualitativos para identificação da deficiência de G-6-PD. Já a
dosagem quantitativa enzimática é realizada apenas por alguns laboratórios no país, mas em
geral a determinação qualitativa é suficiente para identificar os portadores.

Sempre é bom lembrar que os reticulócitos são mais ricos em enzima, de forma que se a
medida for feita após uma crise hemolítica, com grau elevado de reticulocitose, o resultado pode
ser normal; da mesma forma, em paciente com anemia hemolítica crônica, o resultado tem que
ser considerado em relação à proporção de reticulócitos. Finalmente, é preciso enfatizar que a
transfusão com hemácias normais pode elevar artificialmente o resultado da dosagem de G-6-PD
de um indivíduo deficiente.






HIPERTENSÃO ARTERIAL

 Ines Lessa 
Doutora em Medicina 
Mestre em Saúde Comunitária 
Pesquisador I-A, CNPq 
Instituto de Saúde Coletiva 
Universidade Federal da Bahia 


I. Considerações gerais 

A dificuldade para separação dos níveis pressóricos em “normais”/“anormais” é a natureza
contínua da variável biológica, pressão arterial (PA). O primeiro consenso da OMS para definição
de critérios para hipertensão arterial (HA) foi publicado em 1959 (1) e, após definição dos
limítrofes, em 1962 (2). Foi elaborado com base nas observações de que, quanto maiores os
níveis da PA, tanto mais elevadas as taxas de mortalidade por doenças cardiovasculares (DCV).
Os critérios para HA aplicavam-se a adultos, sem especificação de idade. Foram adotados na
prática clínica e nos inúmeros estudos epidemiológicos sobre prevalência da HA e dos seus
fatores de risco (FR) em diversos países e permitiram estudos de associação entre HA e DCV,
com as doenças cerebrovasculares (DCbV), a arterial coronária (DAC), a hipertrofia do ventrículo
esquerdo (HVE), a insuficiência renal (IR) etc.



A atuação preventiva, o tratamento dos fatores de risco para doença cardiovascular e a
ampla gama de novos anti-hipertensivos para tratamento e controle da HA e doenças cardíacas,
nas últimas duas décadas, contribuíram para o marcante declínio da mortalidade por
complicações da hipertensão, evidenciadas nas séries históricas da década de 70 a meados da
de 90, em vários países desenvolvidos (3). Essas observações levaram a novo consenso, desta
vez proposto pelo grupo participante do “Joint National Committee” (JNC) (3), do Instituto Nacional
de Saúde, Estados Unidos, publicado em 1993 e adotado por vários países. Sofreu pequena
modificação em 1997, pelo mesmo JNC (4), sendo, então, referendado pela OMS (Tabela 1). É o
critério “oficial” vigente em diversos países e o que predomina, igualmente, na prática médica
brasileira dos grandes centros urbanos. Usando o novo critério, continuam em prática os
diagnósticos particularizados, quando se aplicar, de hipertensão arterial sistólica (HAS),
hipertensão arterial diastólica (HAD) ou de hipertensão arterial sistólica e diastólica (HASD).
Recomenda-se referir, no diagnóstico da HA, o estágio da doença acompanhado da informação
sobre presença ou ausência de lesão em órgão alvo e de fator de risco (4). Exemplo: HAD leve,
com sobrepeso; HASD moderada, com hipertrofia de ventrículo esquerdo (HVE) e tabagismo.


II.  Epidemiologia da hipertensão arterial na população negra

Na epidemiologia da HA chamaram de imediato a atenção as elevadas prevalências da
doença em negros americanos (5), incluída entre as mundialmente mais elevadas (20% a 71%),
fortemente associada ao sobrepeso ou obesidade, diabetes ou intolerância à glicose, estratos
sociais mais baixos e baixa escolaridade, história familiar positiva para a doença, homens antes
dos 50 e em mulheres a partir da menopausa, dieta rica em sal (5) e pobre em cálcio, HAS isolada
em idosos.


Na presença de qualquer dessas situações, nos Estados Unidos, a HA tem sido, sempre, até 2
vezes maior entre os afro-americanos (6). Os negros desenvolvem HA em idades mais precoces
do que os brancos e detêm as taxas mais elevadas de HA severa - estágio 3 (4) (5) (7). As
diferenças raciais expressam-se desde criança, tornando-se significantes na adolescência (5).
As tendências temporais da razão de prevalência de HA entre negros e brancos, nos
Estados Unidos, são divergentes. Com base em informações oficiais, manteve-se nos Estados
Unidos a razão negros/brancos em 1,5 no período 1960 a 1990, sugestiva de semelhante
tendência secular dos fatores de risco para doença cardiovascular (FRCV) em brancos e negros
(8), enquanto, com base na revisão de 25 publicações, a tendência foi descrita como decrescente,
com queda das razões em cerca de 1/3 entre 1960 e 1991, para ambos os sexos (9). Para os
autores, no entanto, a redução pode ser “artefato”, resultante do aumento dos não respondentes
negros aos inquéritos mais recentes sobre HA.

A antiga polêmica sobre herança como importante determinante da HA em negros gerou
diversas teorias, investigadas e testadas na busca de explicações para as diferenças raciais (4)
(5) (6) (7) (10) (11) (12). Essas investigações ultrapassam as fronteiras americanas, sendo
também investigadas em outros países, em particular, no continente africano. Confirmou-se o
gradiente dos fatores de risco da diáspora africana, com prevalências ajustadas de HA, de 14% na
África Ocidental, 26% no Caribe e 33% nos Estados Unidos, a obesidade explicando,
isoladamente, 1/3 do excesso da HA nos afro-americanos, quando comparados aos negros do
oeste africano (8). Prevalência mais elevada de HA em negros do Zimbabwe do que em brancos
europeus ou americanos foi descrita recentemente por um grupo de investigadores (13).
Paralelamente, diversos autores continuam tentando explicar o predomínio, também nos
negros, das doenças cardiovasculares que mais se associam à HA do que a outros fatores de
risco para doença cardiovascular (FRCV). As diferenças são analisadas tanto inter quanto intra –
raciais (9) (11) (13), neste caso, nas comparações das freqüências das doenças entre negros de
localidades diferentes. Nas análises de autores como Cooper (8), as evidências epidemiológicas
são consistentes em demonstrar similaridade do impacto dos fatores de risco (FR) conhecidos
para HA em todos os grupos populacionais e as mesmas predominâncias de complicações da HA
em negros e em brancos, se analisadas tomando como referência os mesmos níveis de pressão
arterial dos hipertensos para os dois grupos. O excesso de HA entre eles persiste, na crença do
“excepcionalismo” (8), até que fatores genéticos ainda desconhecidos ou outras descobertas
venham explicar os fatos.

III.  Hipertensão arterial em negros brasileiros 

Os negros aportaram involuntariamente no Brasil, participando de modo incisivo na
formação étnica brasileira, junto com os brancos e com os nativos (indígenas). Especialmente nas
gerações do século XX, ampliou-se a miscigenação com povos de outras origens, em
aglomerações espaciais razoavelmente definidas, segundo as procedências das diversas
correntes migratórias e tendências histórico-culturais da origem dos grupos. O resultado foi e tem
sido uma “etnia brasileira” de difícil classificação antropológica, sem uma raça bem caracterizada
no país como um todo, mas com indiscutível predominância da mistura entre negros e brancos.
Pelas evidentes dificuldades para classificação, todas aquelas usadas no país estão sujeitas a
críticas. A clássica categorização racial em negra, parda e branca, não satisfaz. Aqueles
denominados “pardos” ou mulatos, nem sempre são miscigenados com o negro. A estratificação
em brancos e não brancos, como plágio da classificação norte-americana para a sua população, é
inaceitável. Nos Estados Unidos os negros são 12% da população e são minoria. No Brasil há um
grande contigente de negros, não mais tão “puros”* quanto nos Estados Unidos. Maior ainda é a
população miscigenada.

Sabe-se que cada raça ou etnia tem peculiaridades próprias, diferenciando-se na magnitude
dos riscos biológicos, ambientais, psico e socioculturais para doenças. Assim, as estatísticas
sobre prevalência de HA  em negros, apresentadas para o Brasil (14) na tabela 2, não são isentas
de críticas, conquanto nas investigações socioepidemiológicas a estratificação racial seja
essencial para identificação de grupos de risco para doenças. Na tabela, observam-se maiores
prevalências da HA  nos negros, exceto para os homens de Araraquara, São Paulo. As razões de
prevalência em negros e brancos são comparáveis às publicadas por Cooper em 1997 para os Estados Unidos (8), predominando entre 1,5 e 1,7 (cálculos efetuados pela autora, IL), mas alcançando valores 
acima de 2 em uma vila de Porto Alegre, em funcionários de um hospital de Brasília e em
mulheres de Araraquara.

Dentre as referências nacionais apresentadas, a que melhor classifica a etnia é a de Aquino.
No universo adulto de quatro comunidades rurais do médio São Francisco, Bahia, com
populações predominantemente negras, a prevalência de HA de 14,3%, com variação entre 8,1%
e 19,5% (critério OMS à época do estudo, Barbosa LC, V. ref. da tab.2) foi metade da obtida em
zonas urbanas ou zona rural de outros estados brasileiros (14)* . Este autor classificou a
população dessas comunidades em “clara” e “escura”, dado que não existiam brancos. Mesmo em
crianças, a razão negros/brancos observada em Salvador é similar à dos adultos de outras
localidades (Tabela 2). Neste estudo, a prevalência de HA em crianças do sexo feminino, pardas,
alcançou os 17%, porém também houve forte associação com a obesidade, sem condições do
ajustamento necessário para uma melhor conclusão sobre a questão da etnia.

* Segundo dados genéticos, os negros brasileiros detêm 17% de genes brancos;igualmente os 
brancos detêm 17% de genes negros, independentemente do fenótipo. 
* O estado da Bahia é considerado o de maior população negra no país.





Em grupo exclusivamente de negros e cafuzos (mestiço de negros com índios), magros, não
sedentários, com baixa ingesta de sal, regular use de bebidas alcoólicas, excessivo hábito de
fumar, remanescente de quilombo e residente em localidade de difícil acesso, em Goiás, a
prevalência de HA foi de apenas 6,3%, sem elevação com a idade (Veiga Jardim e cols, V. ref. da
tab.2).
Dentre outras variáveis consideradas na literatura internacional, associadas à HÁ e investigadas por autores brasileiros, a escolaridade é das mais importantes, com razões de 
prevalências de HA entre 1,4 e 7,3 nas comparações entre analfabetos e os de nível superior (14).
A razão do destaque da variável é a baixa escolaridade de grande parcela dos negros brasileiros,
embora as razões apresentadas não tenham considerado a raça (Tabela3).


IV. Etiologia

A HA é secundária em 5% dos casos, considerando alguns autores que possa ser inferior a
esse valor. As causas específicas são: a) de origem renal - glomérulo e pielonefrite crônicas, rins
policísticos, poliarterite nodosa, esclerose sistêmica, estenose da artéria renal por ateroma ou
hipertrofia fibromuscular; b) endócrinas - feocromocitoma, síndromes de Cushing e de Conn
(hiperaldosteronismo primário) hiperparatireoidismo, acromegalia, diabetes mellitus; c) causas
exógenas - use de ciclosporina, cocaína, anticoncepcionais orais e corticoesteróides; d) outras
causas, pré-eclâmpsia, coarctação da aorta (15). Alguns tipos são reversíveis por suspensão das
drogas ou fármacos, ou por cirurgia, quando detectados antes que a lesão em órgãos alvos se
estabeleça.

Para os 95% restantes, a HA é primária ou essencial, a etiologia é desconhecida, mas
resultante de uma complexa rede de causalidade que se amplia com as crescentes investigações.
Esse tipo de HA e incurável, necessitando detecção e tratamento precoces, para prevenção de
lesão em órgãos alvo e conseqüentes complicações.

V. Aspectos clínicos

A HA primária tem longo curso assintomático. Consistentemente, tem-se demonstrado, nos
inquéritos, que cerca de 50% a 60% das pessoas diagnosticadas hipertensas desconhecem que o
são. No Brasil, o diagnóstico é realizado, em geral, em situações específicas: exames periódicos
de saúde, pré-admissionais, pré-operatórios e, menos freqüentemente, na prática médica
cotidiana do Sistema Único de Saúde ou de outras práticas assistênciais da medicina não liberal,
nas quais a medida da pressão arterial a uma eventualidade (16) (17). A HA é diagnosticada na
prática ambulatorial ou em urgências médicas, quando uma das suas complicações é a razão do
atendimento médico.

A cefaléia occipital é o mais comum dos sintomas, acompanhada ou não de escotomas, tonturas ou zumbidos. Em urgências, são comuns, ao lado da cefaléia, a epistaxe, parestesias e 
convulsões, estas, nos casos de encefalopatia hipertensiva. Afora esses sintomas, diversos outros
dependem da presença e tipo de complicação.

Os sintomas de insuficiência cardíaca, hipertrofia de ventrículo esquerdo e de angina devem
ser questionados e os sinais investigados no exame clínico. Isquemia cerebral transitória, doença
cérebro-vascular “minor” (com pequeno déficit) de ocorrência prévia, sintomas de claudicação
intermitente e de estenose de carótida devem ser investigados e documentados. Sinais e
sintomas de comprometimento renal, bem como retinopatia, devem ser considerados. No exame
físico do paciente, seja ele hipertenso ou não, e independentemente da raça, são essenciais, para
medida correta da pressão arterial (V. Anexo I), todos os cuidados exigidos em relação ao
paciente, ao examinador, ao ambiente, aos aparelhos e às técnicas de medida. A disponibilidade
de braçadeiras de tamanhos diferentes para atender a diferentes circunferências do braço é
imprescindível. Medir a PA nos dois braços e pelo menos no início e no final do exame, se for a
primeira consulta do paciente.

Recomenda-se medir a PA também em um dos membros inferiores. Se o paciente for obeso
e não se dispuser da braçadeira apropriada, medir a PA na perna ou coxa. Procurar confirmar, a
curto prazo, o diagnóstico de HA, evitando o diagnóstico da HA do avental branco; medir peso e
altura; calcular o índice de massa corpórea (IMC=peso/altura2) e medir a circunferência 
abdominal. Em pacientes hipertensos não se pode deixar de palpar e caracterizar o pulso e,
obrigatoriamente, devem ser palpados os pulsos arteriais periféricos. Completar todo o exame
físico, como recomendado a uma boa prática médica. Independentemente da raça e de sintomas,
a PA é uma medida obrigatória na prática, porém, os negros merecem atenção especial, pelas
evidências da maior e mais precoce gravidade da doença nesta raça, mesmo sendo estas
informações procedentes de outros países. As recomendações da medida da pressão arterial na
prática cotidiana abrangem as crianças e adolescentes, grupos esses também susceptíveis à
hipertensão arterial primária.

VI. Exames complementares

Deverão ser solicitados exames que possam detectar lesão de órgãos alvo, antes do início
do tratamento, para orientação medicamentosa e previsão do prognóstico clínico. São eles:
sumário de urina, hemograma, glicemia com 9h de jejum, potássio sérico, colesterol e HDL -
colesterol com 12h de jejum, creatinina e eletrocardiograma em 12 derivações (4). Exame do
fundo de olho, pelo próprio clínico, em busca de cruzamento arteriovenoso, vasoconstricção,
exsudatos, flocos de algodão, hemorragias e edema seriam o ideal. Consulta oftalmológica pelo
menos nos estágios 2 e 3 da HA. O Rx de tórax pode revelar área cardíaca aumentada. Outros
exames são opcionais e incluem: clearance de creatinina, microalbuminúria; ácido úrico e cálcio
séricos; hemoglobina glicosilada; ecocardiografia quando houver suspeita de HVE. O
ecocardiograma a importante nos casos de insuficiência cardíaca grave. O acompanhamento
cardíaco deve ser rigoroso nos negros para tratamento precoce da HVE, referida como mais
prevalente nesta raça, embora não se tenha demonstrado, em Salvador, associação entre raça
negra e HVE em necrópsia (18). Na ausência de resposta ou resposta parcial aos tratamentos,
pode-se pensar na realização da monitoração ambulatorial da pressão arterial (MAPA), visando
adequação das medicações, posologias e horário, sobretudo na ausência de descenso noturno da
PA (19) (20).

VII. Tratamento

É de suma importância um bom relacionamento entre médico, demais membros da equipe
de saúde e o paciente. Antes do início do tratamento, é preciso que: a) o médico esteja consciente
do perfil sociocultural e econômico do paciente para que sua proposta de tratamento tenha as
repercussões positivas esperadas com a adesão ao tratamento; b) sejam discutidas com o
paciente as etapas previstas para o seu tratamento; c) o paciente perceba que o sucesso do seu
tratamento depende, em maior parte, de sua colaboração; d) o paciente seja informado das
complicações possíveis da sua doença e dos benefícios do tratamento; e) não havendo
medicação gratuita, o médico deva orientar o melhor e menos oneroso esquema de tratamento; f) o profissional entenda 
que pacientes de baixa renda geralmente residem em áreas com espaços livres exíguos ou
indisponíveis para longas caminhadas ou sem infra-estrutura urbana que facilite o seu programa;
espaços distantes, que necessitem transporte ou comprometam o horário de trabalho, não são
indicados; g) nestes casos, o profissional possa orientar outra opção adequada de atividade física.

A. Tratamento não farmacológico

Para muitos hipertensos as medidas não farmacológicas são capazes e suficientes, por si
só, de controlar os níveis da PA ou de reduzir o número de medicações, a freqüência de tomadas
e a posologia. Essas medidas consistem em modificações do estilo de vida, independentemente
da raça, incluindo: orientações quanto ao tipo e freqüência da atividade física mais adequada, o
lazer saudável; orientação dietética equilibrada, capaz de reduzir riscos cardiovasculares
(exemplos: obesidade generalizada e localizada) e propiciar outros benefícios à saúde; estímulo
ao paciente para o abandono de hábitos nocivos, tais como o tabagismo e consumo excessivo de
álcool. Ajustar sempre a dieta ao poder aquisitivo de cada paciente. Havendo programas
específicos antitabagismo e antiálcool, incentivar a participação do paciente.

B. Tratamento  farmacológico

A meta do tratamento anti-hipertensivo, seja ele qual for, é a redução da PAS e da PAD para
os níveis de normalidade, conforme a tabela 1. Os diuréticos são a primeira opção para o
tratamento da HA dos negros, caso não haja contra-indicações (4). Excluindo-se os diuréticos, os
negros apresentam boa resposta aos antagonistas dos canais de cálcio (4). Monoterapias com b
bloqueadores ou com inibidores da enzima conversora de angiotensina (ECA) não são
aconselhadas como primeira escolha, porém podem apresentar boa resposta se combinadas a
diuréticos (4) (21). Os E bloqueadores são particularmente indicados na presença de angina ou
pós infarto agudo do miocárdio, prolapso da válvula mitral, arritmias ou hipertensão portal e os
inibidores da ECA quando há nefropatia diabética ou disfunção sistólica do ventrículo esquerdo
(4). Em idosos com HAS, além das medidas não farmacológicas, os diuréticos são também a
primeira escolha, com metade da posologia indicada para os mais jovens e advertindo-se sobre a
hipotensão postural, efeito colateral comum após os 60 anos (6) (21). A combinação dos tiazídicos
com b- bloqueadores ou com a dihidropiridina de ação prolongada (antagonista de canais de
cálcio) está indicada quando não se obtiver boa resposta com medidas não farmacológicas
isoladas ou associadas a diurético (4) (21) (22) (23). O JNC recomenda iniciar o tratamento
conforme estratificação de riscos observados na tabela 4.







Quando assistidos em urgências hipertensivas ou por complicações da hipertensão arterial,
e importante levar em consideração a indicação correta dos antihipertensivos para os negros. A
pouca ou nenhuma resposta a determinados antihipertensivos, nessas ocasiões, pode levar ao
não controle da urgência em tempo hábil para prognósticos mais favoráveis.
Em estudo recente sobre urgências por complicações da HA em Hospitais do Sistema Único
de Saúde (cobertura de 90% da população de baixa renda), em Salvador, 75% das prescrições
com antihipertensivos e 30% daquelas com diuréticos, os fármacos não eram a primeira escolha
para negros hipertensos. Os pacientes não eram necessariamente de etnia negra, pois não havia
a informação nos prontuários, porém, é grande a probabilidade de que a maioria dos
atendimentos tenha sido em pessoas dessa etnia. Esse é um ponto a se levar em consideração
no planejamento das medicações para urgências, em particular nas regiões do país onde a
miscigenação com o negro predomina (Lessa, dados ainda não publicados).

As principais complicações da HA, seja na morbidade ou na mortalidade, estão diretamente
relacionadas à falta de controle da PA e dos FR. Pode-se atribuir a ausência do controle ao
diagnóstico desconhecido e, se conhecido, o mais comum é o não tratamento ou tratamento
irregular, portanto, não adesão ou adesão parcial aos tratamentos. Em programas de controle da
HA, a baixa adesão é mais comum entre negros, sejam eles afro-americanos (22) ou brasileiros
(23). Nas tabelas 5 e 6 encontram-se freqüências de controle e razões de controle da HA,
brancos/negros, em ambulatório especializado, de hospital universitário, em Salvador, Bahia, em
1997. Na tabela 4, notam-se diferenças importantes nas freqüências de controle (critério JNC)
entre os grupos, mais acentuadas para a HAS. Na tabela 6, pode-se observar que, para a HAS, o
controle dos brancos é quase 3 vezes maior do que o dos negros, enquanto entre pardos e negros
não existem diferenças, quer para HAS, quer para a HAD.

VIII.  Morbidade e mortalidade

A HA está presente em 4/5 dos casos das DCbV, em quase 100% dos casos de HVE, 
evidentemente em 100% dos casos de IC hipertensiva e em metade a 2/3 dos casos de enfarte
agudo do miocárdio (24) (25). Em razão da exclusão da raça no certificado de óbito, até
recentemente, e das estatísticas de internação hospitalar no Brasil, no pressuposto de eliminar-se
uma possível discriminação racial, torna-se inviável qualquer análise das diferenças raciais de
complicações e de mortes relacionadas à HA, o que não ocorre em outros países. Se a HA é mais
prevalente nos negros brasileiros e se o controle da doença neles é mais precário, é justo e
imprescindível que, mesmo assumindo as dificuldades de classificação, a raça venha a ser uma
variável a a ser introduzida nos bancos de  dados e nas análises, de modo a que os negros
possam beneficiar-se com estratégias adaptadas a enfoques culturais específicos de prevenção e
de controle da HA e das suas complicações, aumentando a probabilidade de sucesso da adesão
aos tratamentos, evitando morte e invalidez precoces e desnecessárias e perda da qualidade de
vida.





ORIENTAÇÕES PARA MEDIDA DA 
PRESSÃO ARTERIAL

No exame físico do paciente, seja ele hipertenso ou não e, independentemente da raça, são
essenciais para medida correta da pressão arterial:

1)  esfignomanômetro preferentemente de coluna de mercúrio, calibrado periodicamente, a
depender da freqüência do seu uso;
2)  borracha, pera e braçadeira em perfeitas condições; disponibilidade de braçadeiras de
tamanhos diferentes para atender a diferentes circunferências do braço;
3)  ambiente: temperatura agradável, sem ruído ou trepidação;
4)  paciente: não deve ter realizado exercício físico pelo menos uma hora antes do exame;
em repouso de pelo menos 5’, sentado, sem fumar, beber, ou falar durante a medida; braço nu ou
com manga folgada, relaxado sobre uma mesa e à altura do coração;
5)  braçadeira colocada dois dedos acima da dobra do cotovelo, confortável;
6)  examinador: calmo, atento;
7)  técnica: palpação prévia da artéria braquial; estetoscópio colocado sobre a artéria, sem
prendê-lo sob a braçadeira; insuflação do manguito rapidamente até aproximadamente 20mmHg
acima da possível PAS. Iniciar a desinsuflação lentamente, em velocidade constante. O primeiro
ruído = PAS (fase I de Korotkoff); o desaparecimento do ruído = PAD (Fase V de Korotkoff). Utilizar
a fase IV (abafamento do som) para PAD apenas quando os batimentos não desaparecerem. Nos
casos de buraco auscultatório, insuflar o manguito até além do buraco, anotando a PAS no primeiro
batimento detectado e não no pós buraco auscultatório. Medir a PA nos dois braços e pelo menos
no início e no final do exame, se for a primeira consulta do paciente. Recomenda-se medir a PA em
um dos membros inferiores.
8)  se o paciente for obeso e não se dispuser da braçadeira apropriada, medir a PA na
perna;
9)  nunca deixar de confirmar, a curto prazo, o diagnóstico de HA, evitando os falsos
positivos (HA do avental branco corresponde a cerca de 30% dos diagnosticados como hipertensos
leves e de alguns classificados como hipertensos moderados).




DIABETES MELLITUS

Laercio Joel Franco 
Professor Titular 
Departamento de Medicina Social 
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto 
Universidade de São Paulo


I. Conceito

O diabetes mellitus é um distúrbio metabólico de etiologia múltipla, caracterizado por uma
hiperglicemia crônica, decorrente tanto de uma deficiência de insulina, como da incapacidade da
insulina exercer adequadamente seus efeitos, ou de uma combinação, em graus variáveis, dessas
condições.
Após alguns anos de evolução, é freqüentemente acompanhado por danos, disfunção e falência
de vários órgãos ou sistemas, como olhos, rins, coração, nervos e vasos sangüíneos.
O diabetes pode se apresentar com sintomas característicos, como sede excessiva, poliúria,
borramento da visão e perda de peso. Em algumas formas mais graves, pode ocorrer cetoacidose
ou estado hiperosmolar não-cetótico, que leva ao torpor, coma e, na ausência de tratamento
adequado, à morte.
Entretanto, é mais freqüente os sintomas característicos do diabetes não serem acentuados,
ou mesmo estarem ausentes. Antes que o diagnóstico seja estabelecido, porém, poderá existir
hiperglicemia de grau suficiente para causar alterações funcionais ou patológicas por um longo
período.
O diabetes mellitus é um importante problema de saúde pública, pois é bastante freqüente,
está associado a complicações que comprometem a produtividade, a qualidade de vida e a
sobrevida dos indivíduos, além de envolver altos custos no seu controle e no tratamento de suas
complicações.
A prevalência do diabetes no Brasil, na população adulta, é de 7,6%, com maiores coeficientes
nas regiões mais industrializadas (sul e sudeste), onde a prevalência é da ordem de 10,0%.
Apresenta um nítido aumento com o progredir da idade, alcançando o valor de 17,4% na faixa etária
de 60 a 69 anos (1).
Estima-se que existam 6 milhões de diabéticos no Brasil, dos quais 50% desconhecem o
diagnóstico, ou seja, provavelmente serão identificados no momento em que surgir uma
descompensação ou uma manifestação de complicação crônica do diabetes, quando o sucesso
do tratamento apresenta limitações.
Em quase todos os países, tem-se observado um aumento da prevalência do diabetes.
Entre as causas aventadas, destacam-se o aumento das taxas de urbanização e industrialização,
maior sedentarismo, aumento da esperança de vida da população em geral e maior sobrevida dos
pacientes diabéticos.

II. Classificação

A classificação atual, proposta pela Organização Mundial da Saúde (2), envolve tanto o conceito
de estágios, como de tipos de diabetes e outras categorias de hiperglicemia.
Os estágios clínicos refletem que o diabetes, independentemente da etiologia, evolui através
de vários estágios durante sua história natural (Figura 1).
As pessoas que têm ou estão desenvolvendo diabetes podem ser categorizadas por estágios,
mesmo na ausência de informações sobre a etiologia do processo, bem como mudar de um estágio
para outro, em qualquer direção.


A concentração plasmática de glicose inferior a 110 mg/dl tem sido escolhida como “normal”
de forma arbitrária, embora esses valores sejam os observados em pessoas com tolerância
normal à glicose, em ários estudos populacionais.
Os estágios, representados pela glicemia de jejum alterada e pela tolerância diminuída à
glicose, são referentes a um estado metabólico entre a homeostase normal da glicose e o
diabetes. Não são equivalentes, pois representam diferentes anormalidades na regulação glicêmica,
um para a condição de jejum e o outro para uma situação pós-prandial. Ambas são condições de
maior risco para doenças cardiovasculares e evolução para o diabetes.
A classificação etiológica reflete o fato de que o defeito ou processo que desencadeia o diabetes
pode ser identificável em qualquer estágio, mesmo no de normoglicemia. Pacientes com qualquer
forma de diabetes podem necessitar de insulina durante alguma fase da doença. Este uso de
insulina não define a origem etiológica do diabetes. A nova classificação etiológica proposta é
apresentada no Quadro 1.

Quadro 1

Classificação etiológica dos distúrbios glicêmicos

Diabetes tipo 1
(destruição da célula beta, geralmente levando a uma deficiência absoluta de insulina)
– auto-imune
– idiopático

Diabetes tipo 2
(varia de predominantemente insulino-resistência com relativa insulino-deficiência a
predominante defeito secretório com ou sem resistência insulínica)
Outros tipos específicos de diabetes
– defeitos genéticos da função da célula beta
– defeitos genéticos na ação da insulina
– doenças do pâncreas exócrino
– endocrinopatias
– induzidos por fármacos ou agentes químicos
– formas raras de diabetes imunomediado
– outras síndromes genéticas, às vezes associadas com diabetes

Diabetes Gestacional

A. Diabetes Tipo 1

O diabetes tipo 1 compreende os casos que em sua maioria são primariamente decorrentes
da destruição das células beta das ilhotas pancreáticas – sendo, portanto, insulinopênicos – e
requerem administração de insulina exógena para sua sobrevivência. Inclui os casos que são
devidos a um processo auto-imune, bem como aqueles em que não se identifica a causa da
destruição das células beta. Este tipo de diabetes não inclui aquelas formas de destruição das
células beta que pode ser atribuída a causas específicas, como à fibrose cística, por exemplo.
A velocidade da destruição das células beta é muito variável, sendo rápida em alguns
indivíduos e lenta em outros. A forma rapidamente progressiva é comumente observada em
crianças e adolescentes, porém pode ocorrer em adultos.

Alguns pacientes, particularmente crianças, podem apresentar-se com cetoacidose como a
primeira manifestação da doença. Outros apresentam modesta hiperglicemia de jejum, que pode
rapidamente evoluir para acentuada hiperglicemia, e mesmo cetoacidose, na presença de
infecção ou stress. Ainda outros, particularmente adultos, podem manter uma função residual das
células beta suficiente para prevenir cetoacidose por muitos anos, porém, evoluem para uma
dependência  à insulina exógena para sua sobrevivência. 


Marcadores da destruição auto-imune incluem anticorpos antiilhota, antiinsulina e
antidecarboxilase do ácido glutâmico (anti-GAD), que estão presentes em 85% a
90% dos indivíduos com diabetes tipo 1 por ocasião do diagnóstico.
Existe uma marcante variação geográfica na incidência do diabetes tipo 1,
sendo maior em países do norte europeu, particularmente nos escandinavos, e
menor nos asiáticos, como China e Japão (3). Na população negra, a incidência
tende a ser 2 a 4 vezes menor do que a da população branca da mesma região (4).
O pico de incidência desta forma de diabetes ocorre na infância e
adolescência, porém seu início pode ocorrer desde a infância até a senescência.
Existe uma predisposição genética à destruição auto-imune das células beta e isto
também é relacionado a fatores ambientais, ainda pouco conhecidos. Embora os
pacientes com diabetes tipo 1 não sejam geralmente obesos por ocasião do
diagnóstico, a presença de  obesidade não é incompatível com o diagnóstico.
Freqüentemente podem apresentar outros distúrbios auto-imunes, como doença de
Basedow-Graves, tiroidite de Hashimoto e doença de Addison, por exemplo.

B. Diabetes Tipo 2

O diabetes tipo 2 compreende a forma mais comum de diabetes,
correspondendo a cerca de 85% a 90% dos casos e resulta de defeitos na
secreção de insulina, quase sempre com uma importante contribuição da resistência
insulínica. A maioria dos casos apresenta excesso de peso, o que agrava a
resistência insulínica. A obesidade abdominal é um problema maior que a obesidade
periférica. As causas etiológicas do diabetes tipo 2 são desconhecidas até o
presente e, provavelmente, a doença tenha uma etiologia multifatorial.
Esta forma de diabetes freqüentemente permanece sem diagnóstico por vários
anos, porque a hiperglicemia se desenvolve gradualmente e, nos seus estágios
iniciais, não é suficiente para produzir sintomas importantes. Entretanto, esses
pacientes estão com maior risco de desenvolverem complicações micro e
macrovasculares que, com freqüência, já estão presentes por ocasião do
diagnóstico.

O risco de desenvolver diabetes tipo 2 aumenta com o progredir da idade,
especialmente após os 40 anos, com o sedentarismo e excesso de peso. Ocorre
mais freqüentemente em indivíduos com hipertensão ou dislipidemia e nas mulheres
com diabetes gestacional prévio. Sua freqüência varia bastante em diferentes
grupos étnicos e apresenta uma importante associação com predisposição familiar.
Na América do Norte e nos países do Caribe, têm-se descrito uma maior prevalência
de diabetes tipo 2 na população negra, chegando a ser 1,4 vez maior que na
população branca (4), diferença  que não se observou na população brasileira
(Figura 2).

C. Outros Tipos Específicos de Diabetes

A categoria “outros tipos específicos de diabetes” inclui uma longa lista de
várias formas de diabetes, decorrentes de defeitos genéticos, doenças pancreáticas,
endocrinopatias, induzidas por fármacos ou produtos químicos, infecções ou
associadas a outras síndromes genéticas. Corresponde a cerca de 2% a 3% do
total de casos.

D. Diabetes Gestacional

O diabetes gestacional é a diminuição da tolerância à glicose, de magnitude variável, diagnosticada pela primeira vez na gestação, podendo ou nao persistir 
após o parto. Esta condição não exclui a possibilidade de que as alterações na
tolerância à glicose possam anteceder a gravidez, porém não foram previamente
identificadas.
As mulheres que engravidam, e que sabiam previamente ter diabetes, não têm
diabetes gestacional, mas sim diabetes mellitus e gravidez.
O reconhecimento clínico do diabetes gestacional é importante porque seu
tratamento com dieta e, quando necessário, insulina, e a vigilância fetal anterior ao
parto, reduzem a mortalidade e morbidade perinatal associadas à sua presença. As
complicações maternas associadas ao diabetes gestacional incluem uma maior
frequência de hipertensão e um aumento na proporção de cesáreas. Embora muitas
mulheres diagnosticadas com diabetes gestacional não desenvolvam diabetes
posteriormente, uma parcela significante terá diagnóstico, alguns anos após o parto,
de diabetes tipo 1 ou, mais freqüentemente, de diabetes tipo 2.
Mulheres com maior risco de apresentar diabetes gestacional incluem as mais
idosas e aquelas com história prévia de alteração na tolerância à glicose ou de
recém-nascido grande para a idade gestacional.

III. Diagnóstico

O diagnóstico de diabetes é baseado na dosagem de glicose no sangue ou
plasma. A hemoglobina glicada e o uso de tiras reagentes para glicemia capilar
não são  adequadas para o diagnóstico de di abetes, mas sim para o seu
monitoramento.
O diagnóstico de diabetes em indivíduos assintomáticos nunca deverá ser
feito com base em um único valor de glicemia. Nestes casos, é necessário pelo
menos um teste adicional de glicemia, com valores na faixa diagnóstica de diabetes,
tanto em jejum, como casual, ou após sobrecarga de glicose.
Os critérios para diagnóstico de diabetes foram recentemente revisados pela
Associação Americana de Diabetes (5) e pela Organização Mundial da Saúde (2),
cuja premissa básica é facilitar o diagnóstico, diminuindo a proporção de casos não
diagnosticados e, assim, ter condições de prevenir as complicações crônicas do
diabetes.
Pela sua praticidade, a medida da glicose plasmática em jejum é o
procedimento básico empregado para o diagnóstico de diabetes. No Quadro 2 são
apresentados os valores de glicemia plasmática, definidos como críticos para o
diagnóstico de diabetes.
Na presença de sintomas clássicos de diabetes e evidente hiperglicemia, não
existe dificuldade em se fazer o diagnóstico de diabetes, o que ocorre na maioria
das pessoas com diabetes tipo 1. As dificuldades surgem com os indivíduos que
apresentam pequenas elevações da glicemia e ausência de sintomas. Esses casos
assumem importância na atualidade, pois foi demonstrado que um bom controle
glicêmico pode retardar, ou mesmo prevenir, as complicações crônicas típicas do
diabetes, além de se saber que existe um período de tempo de vários anos entre o
início e o diagnóstico clínico do diabetes tipo 2. Esta é a razão para ser realizado
um rastreamento mais ativo para diabetes, empregando-se o teste de tolerância à
glicose (TOTG), em situações bem específicas.
O TOTG deve ser realizado no período da manhã, com pelo menos três dias prévios
de dieta sem restrição de carboidratos. O teste deve ser precedido de um jejum de 8 a 14
horas e durante sua realização pode ser ingerida água, não sendo permitido,
entretanto, fumar.
Após a coleta do sangue em jejum, o indivíduo deverá ingerir 75 g de glicose, dissolvida em
250 a 300 ml de água, em 5 minutos. A segunda amostra de sangue deve ser coletada
duas horas após o início da ingestão da solução de glicose. A interpretação dos resultados deverá ser 
de acordo com os critérios apresentados no Quadro 2.



SÍNDROMES HIPERTENSIVAS
NA GRAVIDEZ


Istênio Fernandes Pascoal 
Ex-Professor Substituto do Departamento de Clínica Médica 
Faculdade de Ciências da Saúde 
niversidade de Brasília


I. Introdução

Duas formas principais de hipertensão arterial podem complicar a gravidez: pré-eclâmpsia e
hipertensão arterial crônica, que ocorrem individualizada ou associadamente (pré-eclâmspia
sobreposta).
Hipertensão arterial crônica se refere à hipertensão de qualquer etiologia (primária, em 90%
dos casos), que está presente antes da gravidez ou da vigésima semana de gestação. A
denominação "crônica" é utilizada meramente para fazer oposição semântica à natureza súbita e
reversível da pré-eclâmspia .
Pré-eclâmpsia, ou doença hipertensiva específica da gravidez, é uma doença hipertensiva
peculiar à gravidez humana, que ocorre principalmente em primigestas após a vigésima semana
de gestação, mais freqüentemente próximo ao termo. Envolve virtualmente cada órgão e
sistema do organismo e é a principal causa de morbidade e de mortalidade, tanto materna
quanto fetal.
Uma impressão não confirmada é que mulheres afro-descendentes são mais susceptíveis
ao desenvolvimento de pré-eclâmpsia do que mulheres caucasianas e essa noção tem sido
atribuída tanto às diferenças de classe social como à diversidade étnica propriamente. Entretanto,
Mengert (1) reviu sua ampla experiência em três diferentes centros médicos norte-americanos e
concluiu que  não há diferença racial na incidência de pré-eclâmpsia. Em outro estudo, 8% das
mulheres eclâmpticas eram afro-americanas, porém, igualmente, apenas 8% dos partos haviam sido
realizados em mulheres afro-americanas. Como a prevalência de hipertensão arterial crônica em
mulheres afro-americanas é maior do  que em pacientes brancas, o diagnóstico diferencial
errôneo entre pré-eclâmpsia e hipertensão arterial crônica parece ser o responsável pela idéia de
que mulheres afro-descendentes são mais susceptíveis à pré-eclâmpsia.

II.  Hipertensão Arterial Crônica

A prevalência de hipertensão em mulheres na fase reprodutiva pode ser tão alta quanto 25%
em caucasianas e 30% na raça negra, e aumenta com a idade (2). A hipertensão, portanto, é um
importante fator de risco cardiovascular nesta população e tem implicações importantes para a
evolução da gravidez. Estima-se que 2% a 5% (3) de todas as gestações são complicadas por
hipertensão crônica e esta incidência é ainda maior em áreas urbanas industrializadas, onde as
mulheres engravidam mais tardiamente.

A. Diagnóstico

Quando a hipertensão é claramente documentada antes da concepção, o diagnóstico de
hipertensão crônica durante a gravidez é simples e inquestionável. É também o diagnóstico mais
provável quando a hipertensão está presente antes da vigésima semana de gestação, embora
casos isolados de pré-eclâmpsia antes deste período tenham sido relatados, particularmente na
presença de mola hidatiforme.
As dificuldades diagnósticas aumentam quando mulheres grávidas com formas leves de
hipertensão crônica se apresentam para o acompanhamento pré-natal já no segundo trimestre
da gestação, após terem experimentado a redução pressórica "fisiológica" associada à gravidez.
Estas mulheres são inicialmente consideradas normotensas e, posteriormente, quando a pressão
se eleva no terceiro trimestre, são erroneamente diagnosticadas como pré-eclâmpticas. Porém,
como 15% a 25% das mulheres com hipertensão crônica desenvolvem pré-eclâmpsia sobreposta,
há uma grande limitação para se diagnosticar hipertensão crônica nestas condições. Em outras
ocasiões, pacientes com hipertensão crônica bem documentada antes da gravidez apresentarão
níveis pressóricos normais durante toda a  gestação, apenas retornando aos valores pré-
gestacionais após o parto. Assim, uma compreensão das alterações fisiológicas induzidas pela
gravidez é essencial para o correto diagnóstico e tratamento da hipertensão crônica.


B.  Efeitos da hipertensão crônica sobre a mãe

Ainda há considerável debate a respeito dos riscos maternos e fetais associados com
hipertensão crônica e isto se deve, em boa medida, à dificuldade em se distinguir corretamente
pacientes com hipertensão crônica não complicada daquelas com pré-eclâmpsia sobreposta.
Enquanto há poucas dúvidas de que a gestação em mulheres com hipertensão crônica que
desenvolvem pré-eclâmpsia sobreposta apresentam maior morbimortalidade perinatal, os riscos
maternos e fetais em mulheres grávidas com hipertensão crônica não complicada são menos claros.
Algumas pacientes desenvolverão hipertensão acelerada durante a gravidez, com
repercussão em órgãos-alvo, como coração, cérebro e rins, embora na ausência de pré-eclâmpsia
isto seja extremamente raro. Exceção podem ser as raras mulheres com hipertensão grave antes
da concepção, freqüentemente portadoras de hipertensão secundária.
O descolamento prematuro de placenta, que pode causar hemorragia materna fatal, ocorre
três vezes mais em mulheres com hipertensão crônica do que em normotensas. Algumas
mulheres com hipertensão crônica secundária à doença renal ou colagenose podem apresentar
deterioração irreversível da função renal no curso da gravidez. No caso específico de lupus
eritematoso sistêmico, pode haver complicações de vários órgãos, independentemente do
desenvolvimento de pré-eclâmpsia sobreposta.

C.  Hipertensão crônica com pré-eclâmpsia sobreposta

Como discutido acima, hipertensão crônica é reconhecida como um fator de risco para a pré-
eclâmpsia. Embora varie dependendo dos critérios diagnósticos, etiologia (primária vs. secundária),
duração e intensidade da hipertensão, a incidência média de pré-eclâmpsia sobreposta é de
aproximadamente 25% das pacientes com hipertensão arterial crônica.
Uma questão intrigante é por que mulheres com hipertensão crônica têm um risco aumentado
para o desenvolvimento de pré-eclâmpsia. Há poucos estudos avaliando isto, mas tem sido
sugerido que mulheres sob risco de pré-eclâmpsia apresentam anormalidades genéticas,
bioquímicas e metabólicas semelhantes a pacientes com hipertensão primária. Esta lista inclui a alta
incidência de polimorfismo no gene do angiotensinogênio, obesidade, hipertrigliceridemia e
resistência à insulina. Tais observações aumentam a possibilidade de que a gênese da pré-
eclâmpsia sobreposta em mulheres grávidas hipertensas pode estar mais relacionada aos
distúrbios metabólicos e genéticos que levam à hipertensão do que á elevação pressórica per se.

D.  Efeitos da hipertensão crônica sobre a evolução fetal

A mortalidade perinatal é maior em gestações associadas com hipertensão crônica do que
em gestações normais (risco relativo de 2,3). Entretanto, este excesso se deve, primariamente, à
pré-eclâmpsia sobreposta. O risco relativo de morte perinatal tem sido estimado em 3,6 em
mulheres com pré-eclâmpsia sobreposta, em comparação com aquelas com hipertensão crônica
não complicada. Partos prematuros são mais comuns em hipertensas crônicas, mas apenas se
houver pré-eclâmpsia sobreposta. Restrição ao crescimento fetal é mais freqüente na hipertensão
crônica quando se sobrepõe à pré-eclâmpsia (11% vs. 35%). Um risco não quantificado ao bem-
estar fetal em mulheres com hipertensão crônica é a exposição intra-útero a drogas anti-
hipertensivas, embora a metildopa tenha sido considerada segura para o feto e, por isso,
permaneça a opção preferencial para o tratamento da hipertensão durante a gravidez.
E.  Hipertensão arterial crônica e gravidez na população afro-descendente
Sendo a hipertensão arterial crônica mais freqüente em mulheres negras do que em brancas e
constituindo, per se, um importante fator de risco para a pré-eclâmpsia, as conseqüências para a
mãe e para o feto são, coletivamente, piores na população de mulheres negras do que na de
mulheres brancas. Individualmente, entretanto, uma mulher negra com o diagnóstico de hipertensão crônica tem a mesma probabilidade de desenvolver pré-eclâmpsia sobreposta do que uma mulher 
branca com o mesmo diagnóstico.
0 rastreamento de hipertensão crônica no acompanhamento pré-natal deve ser feito com
ainda maior ênfase em mulheres negras, para se identificar mais precocemente as hipertensas
crônicas, embora ainda não seja possível prever nem prevenir o desenvolvimento subseqüente de
pré-eclâmpsia sobreposta.

III. Pré-eclâmpsia

A pré-eclâmpsia caracteriza- se pelo desenvolvimento gradual de hipertensão, proteinúria,
edema generalizado e, às vezes, alterações da coagulação e da função hepática. A
sobreveniência de convulsão define uma forma grave, chamada eclâmpsia. Em mulheres
nulíparas, a incidência de pré-eclâmpsia é de aproximadamente 6% nos países desenvolvidos e 2
ou 3 vezes maior em países subdesenvolvidos. Apesar de sua complexidade clínica e natureza
potencialmente grave, a pré-eclâmpsia e a forma mais comum de hipertensão "curável" e é
inteiramente reversível com a interrupção da gravidez. Embora a causa da pré-eclâmpsia ainda
esteja por ser determinada, estudos recentes sugerem que seu caráter multissistêmico pode
refletir intensa disfunção da célula endotelial.
A. Genética da pré-eclâmpsia
A susceptibilidade da mulher grávida à pré-eclâmpsia tem um componente genético
definido. A incidência em mães, filhas e irmãs é 2 a 5 vezes maior do que em sogras, noras e
população controle (4). Dois modelos genéticos se adequam aos dados obtidos dos três maiores
estudos: modelo recessivo simples, com os genes agindo na mãe, e um modelo de um gene
dominante com 50% de penetrância, novamente agindo na mãe. Há também evidências de um
componente genético fetal. Entretanto, a ausência de concordância mostrada por gêmeos
monozigotos é melhor explicada por um modelo envolvendo penetrância mais reduzida.

B.  Fatores de risco

A pré-eclâmpsia ocorre mais freqüentemente durante a primeira gestação, sendo ocasional
seu desenvolvimento em gestações subseqüentes a uma gravidez normal, ou mesmo após um
abortamento tardio. Há evidências de que fatores imunológicos relacionados a antígenos do
esperma paterno são importantes na gênese da pré-eclâmpsia. Embora primigrávidas jovens
apresentem maiores riscos, multigrávidas com um novo parceiro têm alta incidência de pré-
eclâmpsia. Por outro lado, a duração da coabitação antes da concepção se relaciona
inversamente com o risco de pré-eclâmpsia, sugerindo que prolongada exposição materna a
antígenos do esperma paterno confere proteção (4). Pré-eclâmpsia também está associada com a
idade materna, aumentando sua incidência em mulheres acima de 35 anos. Hipertensão arterial
crônica, nefropatia, diabetes mellitus, gemelaridade, hidropisia fetal e mola hidatiforme igualmente
aumentam os riscos de pre-eclâmpsia. Mulheres fumantes aparentemente têm menor risco de
desenvolver pré-eclâmpsia, mas quando a desenvolvem o prognóstico é pior do que em não
fumantes.

C. Aspectos fisiopatológicos

A hipertensão da pré-eclâmpsia é caracteristicamente lábil e apresenta uma tendência à
reversão do ritmo circadiano normal da pressão arterial, ou seja, intensificação dos níveis
pressóricos à noite, ao invés da queda noturna habitual (5).
A lesão renal da pré-eclâmpsia pode ser responsável pela aumentada excreção urinária de
proteínas, bem como pela diminuição na filtração glomerular e no clearance de ácido úrico, este
causando a característica hiperuricemia. Desde que o ritmo de filtração glomerular e o clearance
de ácido úrico aumentam normalmente durante a gravidez, níveis séricos de creatinina é acido
úrico superiores a 0.9 e 5 mg/dl, respectivamente, são considerados anormais em mulheres
grávidas e requerem avaliação complementar (6). A excreção renal de sódio diminui na pré-
eclâmpsia, causando retenção hidrossalina, embora formas graves da doença possam ocorrer na
ausência de edema. Diminuição do número de plaquetas e dos níveis de antitrombina III podem preceder à 
expressão clínica da pré-eclâmpsia (7).

Pode-se assumir que a pré-eclâmpsia é uma doença generalizada, sendo a hipertensão
apenas uma de suas manifestações. Observam-se lesões em vários orgãos, incluindo cérebro,
fígado e coração. Há também diminuição na perfusão placentária, o que responde, em parte, pela
aumentada incidência de retardo de crescimento intrauterino e de perda fetal. A restrição ao fluxo
placentário provavelmente se deve ao estreitamento dos vasos deciduais, por uma lesão
específica chamada "aterose". Na gravidez normal, as artérias espiraladas (ramos da artéria
uterina) são invadidas pelo trofoblasto, o qual destrói a musculatura, transformando-as em um
conduto praticamente sem resistência. Este processo se completa em torno da 20ª a 22ª semana
de gestação. Alguns autores admitem que uma falha nesta seqüência de eventos, com posterior
defeito da conformação estrutural da placenta, contribui criticamente na etiologia e/ou na
amplificação das repercussões fetais da pré-eclâmpsia.

D. Endotélio, gravidez normal e pré-eclâmpsia

Devido à ausência de um modelo animal adequado de pré-eclâmpsia e às limitações para
se realizar estudos durante a gravidez humana, existe escassez de informações sobre a
modulação endotelial da função vascular na pré-eclampsia, embora algumas avaliações da
habilidade de relaxamento vascular em mulheres grávidas normotensas ou pré-eclâmpticas têm
consistentemente sugerido extensa disfunção endotelial na pré-eclâmpsia. O endotélio vascular
elabora uma miríade de moléculas vasoativas, que contribui criticamente para a regulação do
tonos, da permeabilidade e da coagulação vasculares, e cujas ações ou concentrações tendem a
se alterar em direções opostas durante a gravidez normal ou pré-eclâmpsia. Assim, a produção
relativa de vasoconstritores mediados pelo endotélio, tais como endotelina e tromboxane A2,
parece aumentar durante a pré-eclâmpsia, enquanto a de vasodilatadores, como os fatores
relaxantes derivados do endotélio (EDRFs –  Endothelium-Derived Relaxing Factors), parece
diminuir, ambas comparadas com a gravidez normal, indicando que uma função endotelial
alterada pode ser de significante importância fisiopatológica na pré-eclâmpsia. Em uma série de
experimentos, examinamos a modulação endotelial da reatividade microvascular na gravidez
normal e hipertensiva em modelos experimentais e em seres humanos, com particular atenção na
fisiopatologia vascular da pré-eclâmpsia, que atestam o envolvimento endotelial na fisiologia da
gravidez normal e na fisiopatologia da pré-eclâmpsia (8,9,10).

E. Pré-eclâmpsia na população afro-descendente

O conceito antigo da diferença de raças na prevalência da pré-eclâmpsia já não ocupa lugar
em sua epidemiologia atual. A realidade é que a doença hipertensiva crônica é mais freqüente na
raça negra, o que é o único fator interveniente. Saftlas e colaboradores, em análise de oito anos
(1978 a 1986), determinaram a posição da raça na epidemiologia da pré-eclâmsia (11). A figura 1
mostra claramente que, com o decorrer do tempo, a diferença entre a raça branca e negra foi
diminuindo, chegando a 1986 com cifras sem significância estatística. Aparentemente, é a
incidência em negras que vem sofrendo queda, com estabilidade entre brancos. Uma
interpretação alternativa é que o diagnóstico foi se tornando mais acurado ao longo deste período
de observação e muitas pacientes da raça negra com hipertensão crônica, entre as quais a
incidência é efetivamente maior, deixaram de ter o diagnóstico equivocado de pré-eclâmpsia.

IV. Aspectos Terapêuticos

A.  Hipertensão Arterial Crônica

Durante a gravidez, a abordagem não-farmacológica da hipertensão arterial, embora
discutível, consiste na restrição genérica das atividades. Estratégias como perda de peso e
exercícios não são recomendadas durante a gravidez, mas se uma mulher é obesa e está
planejando uma gravidez, redução de peso antes da gravidez é desejável. Restrição de sódio é controversa, 
embora deva ser mantida em mulheres que tenham se beneficiado desta medida antes da
gravidez. Desde que a supervisão médica seja estreita, a monitorização da pressão arterial em casa
pode ajudar para seu efetivo controle.

Se a decisão é feita para diminuir a pressão arterial com medicação anti-hipertensiva, é
necessário considerar tanto sua eficácia quanto seus efeitos sobre o feto. A droga anti-
hipertensiva mais amplamente utilizada na gravidez é a metildopa. Se a resposta à metildopa não
for satisfatória, alfa e beta-bloqueadores podem ser eficazes durante a gravidez. Bloqueadores de
canais de cálcio ainda não foram estudados suficientemente para serem recomendados com
agentes de primeira linha, mas a experiência clínica crescente tem levado alguns a usá-los como
drogas de segunda linha, em adição à metildopa ou betabloqueadores. Embora os diuréticos não
sejam recomendados em mulheres com pré-eclâmpsia, se uma mulher grávida com hipertensão
crônica vem sendo tratada satisfatoriamente com estes agentes antes da gravidez, não é
necessário suspendê-los, embora possa ser possível a redução da dose.

Os inibidores da enzima conversora da angiotensina (ECA) e os antagonistas da angiotensina
II devem ser evitados durante a gravidez porque tem sido associados à insuficiência renal aguda
dos neonatos e existem descrições de perdas de prenhez em coelhos e ovelhas. Poucas
informações são disponíveis a respeito dos efeitos da ingestão materna de drogas anti-
hipertensivas sobre o aleitamento. Deve ser assumido que a maioria dos agentes será detectada no
leite materno, embora não sejam conhecidos seus efeitos sobre o recém-nascido. Se a pressão
arterial estiver apenas discretamente elevada, pode ser possível retirar a medicação por alguns
meses. Se a hipertensão for mais grave, a medicação deve ser mantida, mas se múltiplos agentes
forem necessários o aleitamento materno não é recomendado.


B. Pré-eclâmpsia

O tratamento definitivo da pré-eclâmpsia consiste de interrupção da gravidez e prevenção das
complicações maternas. Se não tratada, a pré-eclâmpsia se associa com maior risco de morte fetal e
neonatal e, em pacientes que progridem para pré-eclâmpsia grave ou eclâmpsia (convulsões), pode
haver morte materna devido, principalmente, a hemorragia intracerebral.
Hipertensão grave persistente (diastólica acima de 110 mmHg), cefaléia, distúrbios visuais,
deterioração da função renal e síndrome da hemólise, elevação de enzimas hepáticas e plaquetopenia
(HELLP - Hemolysis Elevated Liver Low Platelet) são outros sinais de doença grave que requerem a
imediata interrupção da gravidez. O manuseio conservador em tais casos pode resultar em sérias
complicações maternas.

Em casos menos graves, entretanto, o retardamento do parto pode ser adotado para se obter
maior maturidade fetal. Tal conduta deve ser considerada se a pré-eclâmpsia se desenvolve
precocemente (antes da 32a. semana) e a hipertensão é discreta/moderada, as funções renal e 
hepática são estáveis e não há distúrbios da coagulação ou sofrimento fetal.

A abordagem terapêutica consiste de hospitalização com repouso no leito, controle da pressão
arterial, profilaxia da convulsão (quando sinais de eclâmpsia iminente estão presentes) e o apropriado
término da gestação. A intervenção terapêutica é paliativa e não altera a fisiopatologia da pré-
eclâmpsia. Quando muito, pode retardar sua progressão. Se já houver maturidade pulmonar fetal, a
gravidez deve ser interrompida, uma vez que a pré-eclâmpsia é completamente reversível e começa a
desaparecer com o parto. As dificuldades aumentam quando a pré-eclâmpsia se desenvolve antes da
maturidade fetal, situação em que a difícil decidir a época adequada do parto.

Se o feto for muito prematuro (<30 semanas), a pressão arterial for apenas moderadamente
elevada e não houver outros sinais de gravidade materna, então pode-se tentar retardar o parto.
Deve-se ter em mente, entretanto, que a pré-eclâmpsia não remite espontaneamente e, na maioria
dos casos, a doença piora com o tempo. Assim, a monitorização e vigilância materna e fetal diária é
mandatória. Independentemente da idade gestacional, a interrupção da gestação deve ser
considerada na vigência de sofrimento fetal (incluindo crescimento intra-uterino retardado), ou sinais
de risco materno, como hipertensão grave não controlada, hemólise, elevação de enzimas hepáticas e
plaquetopenia (síndrome HELLP), evidência de deterioração da função renal, distúrbios visuais, dor
epigástrica e hiper-reflexia.

C. Tratamento anti-hipertensivo

O uso de medicação anti-hipertensiva na pré-eclâmpsia é controverso, devido à constatação
de que o fluxo sanguíneo utero-placentário está diminuído na pré-eclâmpsia e o impacto da
diminuição da pressão arterial sobre a perfusão placentária não é ainda muito bem conhecido.
Desde que a redução da pressão arterial não interfere na fisiopatologia da pré-eclâmpsia, o
tratamento anti-hipertensivo deveria ser prescrito visando apenas à proteção materna. Há
considerável desacordo sobre que níveis de pressão arterial deveriam ser tratados, mas em geral
se inicia a terapêutica anti-hipertensiva quando a pressão arterial diastólica é igual ou superior a
105 mmHg (fase V de Korotkoff). Redução excessiva da pressão arterial deve ser evitada, para
não comprometer o fluxo sanguíneo utero-placentário e, assim, predispor a complicações, tais
como o descolamento prematuro da placenta.

Quando o parto é iminente, agentes parenterais são práticos e efetivos. A droga de primeira
escolha ainda é a hidralazina endovenosa, administrada em dose inicial de 5 mg. Doses
subseqüentes são ditadas pela resposta inicial e usadas a intervalos de 20 minutos. Se um total
de 20 mg for administrado sem resposta terapêrutica satisfatória, outros agentes devem ser
considerados. Labetolol endovenoso tem sido usado com sucesso na gravidez em países onde
esta droga é disponível, iniciando-se com doses de 10 mg que são repetidas a cada 20 minutos,
de acordo com a resposta. Entretanto, a administração endovenosa de labetolol não tem
vantagens óbvias sobre hidralazina. A administração oral de bloqueadores de canais de cálcio tem
sido utilizada na pré-eclâmpsia, e embora haja atrativos nesta opção, tais como a eficácia anti-hipertensiva, a 
facilidade da administração e o rápido início de ação, a experiência na gravidez ainda é limitada.
Uma outra preocupação a respeito destes agentes é relacionada ao uso concomitante de sulfato
de magnésio, que freqüentemente é utilizado para prevenir convulsões. O magnésio pode
potencializar os efeitos dos bloqueadores de canais de cálcio e causar queda súbita e intensa da
pressão arterial. Diazóxido endovenoso, em pequenas doses (30 mg), pode ser usado em casos
refratários. O uso de diuréticos não é recomendado na pré-eclâmpsia, exceto em raros casos de
edema pulmonar, porque pode agravar a isquemia uterina.

Inibidores da enzima conversora da angiotensina (ECA), que podem agravar a isquemia
uterina e causar insuficiência renal no feto, assim como nitroprussiato de sódio, que pode causar
intoxicação por tiocianeto na mãe e no feto, são contra-indicados durante a gestação.
Quando a decisão for contemporizar, urn agente oral é preferível. Deve se ter em mente que
a terapêutica anti-hipertensiva visa, principalmente, ao benefício materno. As vantagens
potenciais para o feto é que o controle da pressão arterial pode permitir a continuidade da
gravidez até um ponto onde haja maior maturidade fetal. A metildopa é considerada por muitos
como a melhor opção, face à ampla experiência com esta droga na literatura. Se ela não for bem
tolerada, beta-bloqueadores, alfa-beta-bloqueadores, bloqueadores de canais de cálcio e
hidralazina são boas opçõoes aditivas ou alternativas.

D. Terapêutica antieclâmptica

Desde que a patogênese da convulsão eclâmptica permanece pouco esclarecida, não é
surpreendente que a terapêutica para prevenir a primeira convulsão (iminência de eclâmpsia) ou
sua recorrência (eclâmpsia estabelecida) tenha se mantido controversa por muitos anos. Críticos
do sulfato de magnésio argumentam que, além de cruzar a barreira hemato-encefálica muito
lentamente, seu uso não reverte as anormalidades eletroencefalográficas presentes nestas
pacientes. Em grande medida, a defesa do sulfato de magnésio tem sido efetivamente empírica. A
preferência por sulfato de magnésio nos Estados Unidos, em contraposição aos agentes
anticonvulsivantes convencionais preferidos na Europa, baseava-se nos efeitos observados ern
várias séries de caso. Um estudo controlado só foi realizado em 1995 (Eclampsia Trial
Collaborative Group) e seus resultados revelaram inquestionável superioridade do sulfato de
magnésio, que se consolidou com a droga de escolha na prevenção da convulsão eclâmptica (12).

V. Aspectos Profiláticos

A descoberta da prevenção da pré-eclâmpsia revolucionaria o acompanhamento pré-natal e
salvaria muitas vidas maternas e fetais, principalmente em países subdesenvolvidos, onde as
conseqüências da pré-eclâmpsia são devastadoras. No passado, a restrição dietética de sal e a
administração profilática de diuréticos foram utilizadas com esta finalidade. Entretanto, não há
evidências consistentes de que a limitação de sódio dietético modifica a incidência ou intensidade
de pré-eclâmpsia e as orientações nutricionais atuais para gestantes recomendam contéudo
normal de sal. Uma meta-análise de estudos randomizados de mais de 7.000 mulheres encontrou
semelhante incidência de pré-eclâmpsia entre pacientes que receberam diurético profilático e
placebo (13).

Na última década, surgiram duas tentativas de prevenir a pré-eclâmpsia: baixa dose de
aspirina (60 a 100mg/dia, começando na décima-segunda semana de gestação) e suplementação
diétetica de cálcio (aproximadamente 2g/dia) durante a gravidez. A premissa para o benefício da
aspirina era que, nestas doses, a aspirina inibiria a produção de tromboxane mais do que a de
prostaciclina, mantendo ou restabelecendo a predominância funcional da prostaciclina, uma
prostaglandina vasodilatadora. A despeito de favorável meta-análise dos primeiros trabalhos
publicados (14), a realização de um grande estudo, envolvendo mais de 9.000 pacientes, não
confirmou estes resultados, embora sugerisse a possibilidade de que pacientes com alto risco
pudessem eventualmente se beneficiar (15). Entretanto, um estudo brasileiro subseqüente não
demonstrou qualquer benefício profilático da aspirina, mesmo em pacientes consideradas de alto risco para desenvolver pré-eclâmpsia (16). 


Por sua vez, a estratégia de suplementação oral de cálcio se baseia na observação de que
pacientes pré-eclâmpticas são hipocalciúricas (17). A hipótese de que baixa ingesta de cálcio na
dieta está associada hipertensão em geral e à pre-eclâmpsia em particular motivou estudos de
suplementação oral de cálcio para prevenir pré-eclâmpsia. Uma meta-análise (18) destes estudos
sugeriu que a suplementação era benéfica, embora houvesse dados conflitivos (19). A conclusão
recente de um grande experimento, patrocinado pelo National Institute of Health dos Estados
Unidos, demonstrou claramente que a suplementação dietética de 2 g/dia de cálcio não está
indicada, pelo menos para mulheres americanas, se o objetivo for reduzir a incidência de pré-
eclâmpsia ou melhorar o bem-estar fetal (20).



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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20. Richard J. Levine, John C. Haut, Luis B. Curet, Baha M. Sibai, Patrick M. Catalano,
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Med 1997; 337: 69-76.









Um comentário:

  1. O material disponibilizado pela professora foi muito bom. Pena que a aula não foi especifica sobre o assunto, gerando até questionamentos da turma..

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Eu sinto em minhas veias o grito dos cafezais.
Enxergo em minhas mãos a sombra dos meus irmãos
vergastados pelo chicote dos senhores da terra.

Aqueles que carregam o Brasil nas costas
não têm túmulos nem legendas;
seu sono não é velado,
seu nome ninguém conhece.

Hoje eles seguem a sina de uma sorte inglória...


(Prof. Eduardo de Oliveira)