Por Sueli
Conceição
Apresentação
Profª Suely e Cursistas |
Este
texto é o resumo da pesquisa desenvolvida como Dissertação de Mestrado, cujo
titulo é: Processo de Urbanização como Imperativo da Reestruturação Espacial e
Litúrgica das Religiões de Matriz Africana, no programa multidisciplinar
em Estudos Étnicos e Africanos na Universidade Federal da Bahia - UFBA,
vinculado à Faculdade de Ciências Humanas. O objetivo principal foi
indicar a existência e a necessidade para manutenção das religiões de matriz
africana.
As
plantas são representadas pela Etnicidade, assumida neste trabalho como uma
expressão de identidade, caracterizando uma narrativa de origem, por considerar
as folhas e sua manipulação sinais diacríticos de uma identidade coletiva
negra de grupos étnicos africanos. Neste contexto, há uma denominação utilizada
no trabalho que é a de “cultura vegetal”, mantida pelas religiões de
matriz africana, baseada em práticas de comunidades tradicionais oriundas do
continente africano e re-significada no Brasil, como forma de resistência
através da persistência.
Foi
detectado que essas religiões se encontram, portanto, sob pressão de uma crise
ecológica instalada na cidade, que tem como base uma alteração social marcada,
por um lado, pela escassez de moradia de seus habitantes, que em sua
maioria vivem em condições insalubres, e, por outro lado, pelo poder da
pressão imobiliária que determina o valor da terra e promove a acentuação da
segregação espacial já instalada. Tais fatores exercem influência direta e
decisiva nas transformações e re-significações das religiões de matriz
africana.
Considerações Gerais
A
cosmologia das religiões de matriz africana, com fundamento na natureza,
criadas pelas antigas comunidades africanas, determina a sacralização dos
elementos físicos, transformando-os em sagrados pelos atributos concernentes às
divindades regentes, especialmente dentro dos templos religiosos.
Tais
elementos funcionam como demarcadores simbólicos de território religioso, sendo
que neste trabalho os templos religiosos são considerados territórios contínuos
das religiões de matriz africana, enquanto outros ambientes externos,
considerados sagrados, são identificados como territórios descontínuos.
Os
templos sagrados possuem uma identidade própria que se reproduz socialmente.
Com domínios territoriais demarcados, apresentam variações dentro do espaço da
cidade, visíveis e determinadas por relações sociais, harmônicas e tensas.
Alguns dos terreiros apresentam a característica da força de agregação de
membros legalmente credenciados, simpatizantes ou não, no seu entorno na
condição de habitação.
Um dado
importante verificado nesta pesquisa é a forma pela qual os templos se
instalam na cidade. Revela-se que a exploração de novas áreas para sua
implantação tem como um dos critérios a possibilidade de manutenção do espaço
verde em suas dependências. Este vem sofrendo, paulatinamente, redução severa,
devido à expansão urbana e a dificuldade que experimentam os templos religiosos
em manter sua ocupação com amplas áreas no âmbito da cidade de Salvador.
Foi
evidenciado na pesquisa, que as nomenclaturas atribuídas aos templos sagrados
são decorrentes da sua estrutura espacial. A ebome Cidália do Gantois reitera o
que foi dito pelo antropólogo Fábio Lima sobre a denominação dos templos
sagrados. Segundo ela, os templos localizados em áreas densamente urbanizadas,
que não apresentam área verde, não podem ser chamados de terreiros ou roças
porque os seus espaços não apresentam tais características. Então ela os chama
de Ilê Axé, ou casa de Candomblé.
A análise
demonstra que, apesar dos terreiros apresentarem espaços físicos diferentes, a
persistência da “cultura botânica” é evidenciada nos rituais sagrados e nos
discursos sobre a relevância do meio natural preservado para a religião. Os
discursos nesse sentido são todos convergentes, independente da procedência dos
terreiros –Ketu, Jeje e Angola - visitados para esta pesquisa.
Com a
hegemonia do capitalismo, a troca simbólica que era uma pratica constante nas
religiões de matriz africana deixa de existir e surge a troca mercadológica.
Foram saindo de cena os atores que protagonizavam os processos de colheitas e
preparos das plantas para os rituais, na tradição ioruba são os babalossain.
Essas atividades passaram a ser atribuídas às zeladoras, zeladores, ou pessoas
que têm um grau hierárquico elevado dentro dos templos sagrados, situação
atualmente comum na maioria dos terreiros. E surgindo os fornecedores,
mateiros, comerciantes e motoboys, atores sociais que compõem as novas formas
de aquisição.
As novas
alternativas de aquisição foram descritas em três cadeias: 1) cadeia
tradicional, sendo composta por: mato, babalossain, templo sagrado e usuário;
2) cadeia das feiras, representadas por: mato, mateiro, comerciante, usuário e
templo sagrado; 3) cadeia virtual: mato, mateiro, comerciantes,
telefone/internet, usuário e templo sagrado. Foi identificado nesta pesquisa
que a diversidade de fornecedores está diretamente relacionada com a variedade
das plantas comercializadas.
Considerações Finais
O
histórico da legislação ambiental e o das políticas públicas ambientais de
caráter participativo também compuseram a pesquisa, visando desmistificar o
conto de que não existem leis ambientais ou políticas públicas ambientais em
Salvador. Foi demonstrado que a Constituição Federal brasileira de 1988 tem
leis para atender as demandas ambientais em diversas modalidades.
Mas
presume-se que exista a falta de técnicos mais competentes dentro das
especificidades exigidas para as questões ambientais. Estas devem ser tratadas
de formas particularizadas, considerando-se as regiões, os grupos étnicos
envolvidos no processo, assim como as formas que os mesmos se instalaram e
vivem na região. Baseadas nessas especificidades surgem as políticas públicas
participativas, nas quais órgãos do governo – SEMUR, UFBA, MIC, IPHAN, IPAC
etc. – promovem projetos para atender demandas específicas direcionadas aos
grupos étnicos envolvidos no processo.
Mesmo as
leis ambientais não sendo imperativas para a manutenção de áreas verdes nos
espaços públicos e de terreiro, o trabalho mostrou que existe uma persistência
da Cultura Vegetal nas religiões de matriz africana, tendo o meio natural como
essencial para a sua sobrevivência. As alternativas para aquisição, apontadas
nesta pesquisa, não são um mero modismo, mas sim formas para continuar
resistindo dentro da seara do progresso. Como foi informado por ebome Cidália,
em uma das nossas conversas:
Ah, minha
filha, para o progresso chegar teve que fazer aquilo com o candomblé. O
candomblé era dono daquilo tudo, ali era tudo roça, caminho ia ficar na roça?
Mato de um lado, mato do outro com o caminho no meio? A gente paga pelo
progresso…” (Ebome Cidália, 21/10/2008).
Em suma,
mediante as experiências vividas durante o processo de investigação, as longas
conversas com os interlocutores que tiveram a maior boa vontade de colaborar
com a pesquisa. Fica registrado que as religiões de matriz africana são
ecologistas e tem o meio ambiente como elemento componente indispensável da sua
vida espiritual. Ao passo que se reconhecessem as plantas que são manipuladas
dentro dos templos sagrados como sendo elementos importantes para a cura de
doenças, se alcançaria um desenvolvimento mais equilibrado social e
ambientalmente. Vale lembrar que toda esta persistência é pautada no sentimento
de pertença. Mediante as observações feitas ao longo da pesquisa fica
constatado neste trabalho que o vegetal é um patrimônio religioso, cultural e
social para a população afro-descendente, levando-se a crer que deve ser protegido
e preservado para garantir a permanecia das religiões de matriz africana sem
tensões externas, com relações harmônicas.
Informações sugeridas pela Profª Suely Conceição:
Leis e Decretos:
Leis e Decretos:
Livros e Estudos:
Grupos ètinicos e Suas Fronteiras - Fredrik Barth
Teoria da Etnicidade - Philipe Poutignat
Ewé - O Uso das Plantas na Sociedade Yorubá
Grupos ètinicos e Suas Fronteiras - Fredrik Barth
Teoria da Etnicidade - Philipe Poutignat
Ewé - O Uso das Plantas na Sociedade Yorubá
Referências Bibliográficas
BASTIDE,
R. O Candomblé da Bahia. Companhia das Letras. São Paulo, 20001.
BULLARD,
R. Enfrentando o racismo ambiental no século XXI. In: Justiça Ambiental e
cidadania/ organizadores, Henri Acselard, Selene Herculano e José Augusto
Pádua. – Rio de Janeiro: Relume Dumará: Fundação Ford, 2004.
LUHNING,
E. A. Ewé: As Plantas Brasileiras e seus Parentes Africanos. In: Faces da
Tradição afro-brasileira: religiosidade, sincretismo, anti-sincretismo,
reafricanização, práticas terapêuticas, etnobotânica e comida CARDOSO, Carlos,
BACELAR Jéferson.. Rio de Janeiro: Pallas: Salvador, Ba: CEAO, 1999
OLIVEIRA,
R. S. de e REGO J. (org). Candomblé: diálogos fraternos para superar a
intolerância religiosa. 2ª ed. rev. e ampl.- Rio de Janeiro: KOINONIA Presença
Ecumênica e Serviço, 2007.
PARÉS, L.
N. A formação do Candomblé: história e ritual da nação Jeje na Bahia.-
Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2006.
*Licenciada
em Ciências Biológicas pela Universidade Católica do Salvador, especialista em
Gestão Ambiental pela Faculdade de Ciências Econômicas da Bahia –FACCEBA,
mestra em Estudos Étnicos e Africanos pela Universidade Federal da Bahia.
Educadora da Associação Cultural e Bloco Carnavalesco Ilê Aiyê.
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